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Somos todos burros

Um atentado terrorista contra um jornal satírico e de repente somos todos Charlies, defensores inquestionáveis da liberdade de expressão da sociedade ocidental. A análise é pronta. Cartoonistas a exercerem a sua liberdade de expressão, fanáticos religiosos islamitas a realizarem uma execução sumária por pura barbárie.

Aos Charlies gostaria de perguntar:

Quem foi Maomé e o que representa para o Islão?

Têm noção do nível de ofensa das representações satíricas para um islamita?

Qual a linha editorial tomada conscientemente pelo jornal ao longo dos últimos anos?

Tristemente a maioria dos Charlies não saberia responder a estas questões. Pior do que isso, não quer sequer saber a resposta a tal questões. Não interessa. Falamos simplesmente de desenhos e/ou palavras que tiveram como resposta execuções sumárias! Com a agravante do atentado ter sido perpetado por cidadãos franceses, denunciando que existe actualmente na Europa uma falange de extremistas radicais capazes de passar da simples e tolerada indignação à visceral e brutal violência! Manifestemo-nos já contra este terrorismo condicionador da nossa liberdade de expressão!

O que fica exposto é que a liberdade de expressão vigente é apenas uma liberdade de expressão ideológica. A passagem à prática dessa liberdade de expressão acarreta consequências positivas ou negativas em função do contexto social e/ou político bem como do nível de conhecimento e inteligência do seu executor. É preciso saber do que falamos, onde falamos, para quem falamos e como falamos caso queiramos realmente fazer parte de um processo construtivo de desconstrução das ideologias que consideramos estarem erradas. E estarmos receptivos à desconstrução das nossas. Caso contrário partamos simplesmente para a liberdade de expressão ofensiva sem qualquer outro objectivo que não o chocar e o inflamar dos ânimos. O incendiar de uma fronteira entre duas facções cegas e surdas na relação uma com a outra. Estando prontos para lidar com todas as consequências que isso acarreta.

Ainda a quente, Somos todos burrosapós os atentados em França, reagimos como uma enorme manada de burros. Dizemos o que nos dizem para dizer, fazemos o que nos dizem para fazer, sem questionar ou pensar sobre o contexto, o historial e a motivação do mesmo. Zurramos em reconfortante uníssono.

A base de tudo isto são dois alicerces primordiais: a ignorância e a intolerância

Ignorância porque somos educados desde tenra idade com uma visão muito fechada do mundo e da sociedade. A visão vingente que nos querem impôr para que, nesse modelo, sejamos os cidadãos exemplares de amanhã.

Intolerância porque ao contrário da liberdade de expressão existe uma real opressão à expressão de toda e qualquer ideologia e forma de estar que não esteja em conformidade com a única visão que nos é instruída.

E é este binómio de ignorância e intolerância que nos torna uma manada dócil e fácil de conduzir, sem capacidade de raciocinar para além do óbvio mediatizado.

Se existir real interesse em lutar pela liberdade de expressão então teremos de reformular o processo de educação cívica dos cidadãos de amanhã. A escola deverá assumir o seu papel de formadora ao invés de simplesmente formatadora. As nossas crianças, os nossos jovens, devem obrigatoriamente ter contacto com as principais religiões, modelos de sociedade e filosofias de vida existentes no mundo. Os nossos adolescentes deveriam saber o que é o Catolocismo, o que é o Islão, o que é o Budismo, o que é o Hinduísmo, o que é a democracia, o que é o comunismo, o que é uma ditadura, etc. A diminuição da liberdade de expressão começa exactamente pelo encurtar do leque de opções para a tomada de decisões importantes sobre a forma de olhar e compreender o mundo. Deter este tipo de conhecimento seria também a maior e melhor ponte para o diálogo e respeito pelas crenças e opções de vida dos outros.

Mais, se estão agora preocupados com o controlo da imigração e seu potencial papel nefasto no infiltrar de agentes extremistas radicais capazes de actos terroristas, deveriam então criar um teste de admissão para entrada no território Europeu similar ao que acontece para obter a cidadania americana. Com uma diferença, a bateria de questões abrangeria exactamente o conhecimento sobre as principais religiões, filosofias de vida e modelos de sociedade. A demonstração deste tipo de conhecimento daria alguma garantia de que a pessoa em questão se debruçou por estes temas, tem o conhecimento básico que lhe permita compreender e tolerar o ponto de vista dos outros, com grande probabilidade de ser menos burro, mais Charlie.

Quando um burro zurra…

Além do que é afinal a liberdade de expressão que devemos defender a todo o custo? Todos devemos ter o direito de dizer/fazer tudo o que nos apeteça sem que existam barreiras nem risco de retaliações intempestivas? É que nesse caso talvez devessemos começar por demolir alguns condicionantes legais que impedem ou dificultam a passagem à prática da nossa liberdade de expressão ideológica. Por exemplo:

  • Alguém que opte por ser Vegan, defensor dos direitos dos animais, não pode libertar animais alvos de maus tratos numa unidade de exploração intensiva pois corre o risco de ser preso uma vez que existem impedimentos legais para esse tipo de acção mesmo que éticamente justificável.
  • Há quem considere que determinadas personalidades da nossa vida política são palhaços mas não o possa gritar a plenos pulmões, em canais de comunicação ou presencialmente, pois corre o risco de receber um processo penal.
  • Posso optar por uma filosofia de vida holística, comprar uma herdade no Alentejo, no entanto vou ter uma dor de cabeça enorme para conseguir garantir que esta seja uma zona livre de caça.
  • Uma mulher muçulmana pode optar por uso de Burka, no entanto não pode vesti-la no espaço público de vários países Europeus.
  • O jornalismo livre está condicionado por uma linha editorial bem definida que apenas deixa vir a público aquilo que não esbarre com interesses de accionistas, parceiros e/ou patrocinadores.

E tudo isto são formas de abate, não de vidas humanas, mas directamente da liberdade de expressão. Os anti-Charlies mais perigosos não surgem a espaços nem metralham com Kalashinkovs. Estão omnipresentes e servem-se das mesmas armas que os Charlies, palavras, através de notícias, leis e regulamentos que desenham um cenário de liberdade de expressão ilusória com fronteiras devidamente delineadas.

Os Charlies indignam-se com a morte à lei da bala sendo completamente indiferentes à morte silenciosa dos ideais pelos quais se batem, anuindo muitas vezes a serem cúmplices nesse assassinato. Porque, neste grande estábulo instituído, ao contrário da vida de burro, a vida de um verdadeiro Charlie  não é pêra doce.

Je ne suis pas…

Não, não sou Charlie Hebdo. Desconheço até o conteúdo da publicação, dita informativa. Independentemente do seu conteúdo, julgo que não devem existir quaisquer limites à forma de expressão. Verdadeira liberdade é a escolha pessoal. Cada um de nós terá o seu limite, a sua fronteira sobre o que é ou não alvo legitimo de sátira ou de ridicularização humorística.

Conheço França francamente mal. Não visito Paris desde o século passado, mas já então era perceptível que as opções urbanísticas estavam a promover uma verdadeira bomba-relógio social. Os tumultos de 2009 não me surpreenderam de todo. Vi, e vivi, a atitude de um certo xenofobismo gaulês, mas também vi, e vivi a atitude de desafio e desprezo pelas normas por parte dos ditos magrebinos. Senti, que se por um lado são excluídos, por outro, eles próprios fazem gala dessa exclusão. São estrangeiros no local de nascença, bem como nos países de origem das suas famílias. Muitos chegaram à idade adulta sem nunca terem vivido o sentimento de pertença. Perante uma causa que os acolhe e valoriza, terão então finalmente um propósito. O objectivo não foi a “vingança do profeta” em si, mas sim o impacto que o “feito” tem junto de quem os acolheu. Tal como nós, não compreendem quando são instrumentalizados. Meras ferramentas de objectivos maiores, que na verdade poderão ser contrários à moral abraçada. Duvido que algum seja capturado com vida. O seu eterno silêncio interessa a todas as partes, principalmente aos promotores do seu treino militar.

Dizem-nos que é terrorismo, mas parece-me guerra. Haverá diferença? Bem, barbárie é barbárie, seja qual for o rotulo que lhe colocarmos. Então porquê o preciosismo com o rotulo a aplicar ao que se está a passar em França? É uma questão de comunicação – A guerra é mais difícil de explicar a um ocidental, enquanto o terrorismo é algo que se auto-explica: São fanáticos, são loucos e basta. A diferença, a intolerância, o desprezo pela nossa liberdade são alguns dos adornos e adendas ao conceito de extremismo, ele próprio generoso na abrangência, mas por isso mesmo desprovido de precisão. Dá para tudo, mas nunca para qualificar nenhuma das acções ocidentais no mundo, recentes ou antigas. Extremismo é sobretudo uma questão de perspectiva.

E nós, os livres, tolerantes e equilibrados ocidentais? Não será estranha a leviandade com que abraçamos as causas digitais? Não será incómoda a facilidade com que aceitamos as explicações que nos são vendidas?

Na minha opinião, foi uma operação de guerra, idêntica às que ocorrem como rotina na Síria, Ucrânia, Colômbia ou em qualquer outro local do mundo. Com a agravante de na verdade não sabermos quem nos atacou. Qualquer objectivo de retaliação será por isso desprositado.

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Isto só vistos!

Wrecking Ball SwingOs acontecimentos eclodem em catadupa! Portugal suspenso em suspense com a justiceira bola demolidora a ricochetear nos labirínticos alicerces da República, ora à esquerda, ora à direita, qual das fundações se desmoronará em primeiro lugar?

Por agora vou-me focar na situação dos vistos dourados, segundo as regras estipuladas atribuídos a estrangeiros oriundos de fora da União Europeia que criem dez ou mais postos de trabalho em Portugal, comprem imóveis de valor igual ou superior a 500 mil euros ou façam transferências de capitais de montante igual ou superior a um milhão de euros. O primeiro visto tem a duração de um ano, podendo ter duas renovações subsequentes com o período de 2 anos, ao fim de 6 anos a Nacionalidade Portuguesa é adquirida. Para ser válido os seus detentores necessitam de residir em Portugal pelo menos 7 dias por ano. É verdade, muitos dos nossos novos emigrantes podem corroborar isto, actualmente bastam viver 7 dias por ano em Portugal para que no final da nossa ausência de 358 dias bata cá uma saudade! 8 dias sucessivos da nova realidade Portuguesa seriam demais, estragaria o encanto e só ao fim de 716 dias seria sentida a tão lusa saudade.

http://saudades-portugal.ifrance.comÉ inegável que o Visto Gold é um processo rápido que pode ser visto como interesseiro, por de forma mais ou menos encapotada vender autorização de residência e livre circulação europeia, ou como um sistema de recompensa a quem investe de forma responsável em Portugal.

Ora se o processo é ágil, com regras claras, como raio poderia surgir corrupção na sua envolvência? Nada que o engenho Português não resolva e rapidamente se montou um esquema de angariação de potenciais clientes a imobiliárias que tentavam escoar os seus imóveis, a preços inflacionados por forma a entrar no segmento necessário. O jogo seria a gestão dessa fatia entre o preço justo e o preço que permitia a venda do imóvel a milionários ávidos do desenvolvimento pessoal inerente ao germinar da sua alma lusa. Aaah, que melhor começo do ser Português do que ser vítima de um esquema como este? Ou melhor ainda, ser parceiro no esquema,  caso o interesse fosse pagar um valor um cadito mais baixo pelo seu imóvel.

Independentemente de tudo o que ocorreu e do carácter duvidoso de alguns dos (re)vistados julgo que esta pode realmente ser uma medida salutar com alguns ajustamentos. Mantendo os seus objectivos principais: recompensar quem gera valor e preservar postos de trabalho. Como? Mudando as regras e deixando de realizar uma venda directa dos nossos valioso vistos. Passo a sugerir novos mecanismos simplificados para atribuição de Vistos Gold.

Quem é elegível?

  • Importadores, não europeus, consumidores de produtos ou serviços nacionais no valor de mais de 500 000 €
  • Exportadores, não europeus, de bens e serviços consumidos em Portugal no valor de mais de 500 000 €
  • Investidores em imobiliário nacional no valor de mais de 1 000 000 €
  • Investidores em mobiliário nacional no valor de mais de 1 000 000 €
  • Investidores em indústria ou serviços geradores de mais de 50 novos postos de trabalho com salário superior em 25% ao salário mínimo e com vínculo laboral de pelo menos um ano.

Regras de Atribuição?

  • Aos investidores em imobiliário e mobiliário nacional 1x Visto Gold com duração de um ano;
  • Aos restantes:
    • 3x Vistos Gold com duração de um ano que ficam afectos directamente a 3x pessoas devidamente identificadas.
    • 10x Vistos Gold com duração de um mês que podem ser requisitados com um mês de antecedência.

Vantagens deste Formato?

  • Serão recompensados aqueles que efectivamente geram valor para Portugal em termos de dinâmica comercial, manutenção e criação de emprego;
  • Não existe um privilégio específico a uma determinada área de actividade económica, tornando mais difícil o montar de esquemas e evitando o deturpar do mercado com inflacção artificial de nichos específicos;
  • Os 3x Vistos Gold com duração de um ano permitirão mobilidade acrescida aos decisores dos importadores/exportadores/investidores permitindo-lhes estadias de negócio ou lazer alargadas. Benéfico tanto do ponto de vista comercial como turístico;
  • Os 10x Vistos Gold com duração de um mês dão a flexibilidade ao importador/exportador/investidor de realizar acções comerciais não previstas ou simples acções de recompensa/cortesia cedendo-os por exemplo aos melhores clientes e/ou melhores gestores. Para Portugal seria benéfico pelo menos do ponto de vista turístico.

Isto sim, seria recompensar quem claramente investe na relação com Portugal independentemente da forma como o faz.

Por fim, em tom de provocação proponho um novo tipo de Visto, o Visto de Liberdade Incondicional, um género de carta da sorte para sair imediatamente da cadeia que pode ser usado sempre que o seu detentor, por infortúnio de uma justiça Portuguesa cada vez mais audaz e funcional, vá parar à cadeia. Não sei bem que condições de atribuição lhe poria estando apenas certo que por este andar poderia vir a ser uma das maiores fontes de rendimento do Estado Português.

E com estas fórmulas está dada a minha contribuição para que cada vez mais Portugal seja o nosso verdadeiro e singular lar doce lar.

Vistos Gold: chineses denunciam burlas em Portugal

Jogos sem Fronteiras

Revisto o visto, salta à vista que reluz, mas não é ouro. É pechisbeque. Os vistos foram vistos como uma oportunidade para o verdadeiro empreendedorismo. Daquele que não é para piegas. Compareceram os valentes, só depois alguém declarou abertos os Jogos sem Fronteiras.

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Parece que nós, pequeno país europeu, não somos piores que outros, mas também não somos nenhum Grão-Ducado. Nunca! Jamais facilitaremos, jamais abriremos excepções às pessoas colectivas. Sim, somos muito humanos, pioneiros na abolição da escravatura, sensíveis apenas aos desejos de pessoas, sobretudo quando oriundas de outras culturas. Mais um grande sucesso! Haja dinheiro, tudo se resolverá…

Polyprion Americanus

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Tantos anos a empatar anzol, para agora, finda a pescaria ser agraciado por sua excelência a demência. Ele pescou à boia, à chumbadinha, ele fez tudo e de tudo fez para a agradar. Ele, que de tanga nos deixou e a Europa abraçou. A nenhum poder atrapalhou, e assim uma década ficou. Canta até vitória porque com aquilo não acabou. Que grande feito.

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Alguns (piores que eu), dizem que por nós nada fez. Mal seria se tem feito. Só os tontos acreditavam na importância, na relevância, de ser um luso à frente do bando, dita banda, da comissão. Tontos ou mal-intencionados, talvez habituados às praticas domesticas, aquela palete de cores, um degradê do laranja ao rosa. Nada como um palerma útil, destes que zelam pelo umbigo. Esperto, nunca andou à bolina. Deu sempre a ré ao vento, fez popa rasa.

Pobre infante que em sua ordem vê celebrada tamanha pequenez. Não há bandido que entre nós não receba pelo menos uma comenda.

Baile de Máscaras

A Mascara de Gustav_III

Em 1788, Gustav, o terceiro da Suécia não era particularmente adorado pelo seu povo. O soberano sofria de tédio. Talvez por isso se tenha empenhado tanto na promoção das artes plásticas e cénicas. Ia com frequência à Ópera. Afinal fora ele que a mandara construir – Os Despotas Esclarecidos tinham destas coisas. Chegado lá, lembrou-se de encomendar uns quantos uniformes do exercito russo da Imperatriz Yekaterina, a segunda. O pedido do soberano da Suécia não levantou suspeitas. Algum baile de mascaras, terão pensado as costureiras da Ópera Real. E foi mesmo…

Glória? O rei Gustav III queria a sua, mas estava constitucionalmente impedido de declarar guerra ofensiva. Podia apenas ordenar a mobilização militar defensiva. Talvez daí o enfado. Gustav III sonhava, cobiçava a Noruega, então parte da Dinamarca. Tentou um negócio com a Imperatriz Russa, mas esta recusou trair a sua aliança com a Dinamarca.

Gustavo-III,-Rey-de-Suecia_1777-by-Roslin

A beligerância era inevitável. Gustav decidiu tirar partido da oportunidade que a guerra entre o Império Russo e o Império Otomano lhe ofereceu. Nasceu o gabinete de gestão da divida externa. Estando os russos “entretidos” mais a sul, ordenou um ataque simulado a um posto fronteiriço na província de Puumala, na fronteira da Rússia com a Finlândia, então parte integrante da Suécia. Foi assim que suecos mascarados de russos atacaram suecos sem máscara. O baile, permitiu ao soberano sueco avançar contra o Império Russo. O resultado desta guerra não foi particularmente vantajoso para nenhuma das partes, tendo apenas retido recursos que outra forma teriam sido úteis noutros cenários. Assim se perderam 2 anos.

Assinada a paz com a Rússia, Gustav III celebrou o seu ultimo baile de mascaras na Ópera Real, a 16 de Março de 1792. Foi assassinado nessa noite às mãos dos seus súditos.

A aventura da Escócia

Na década de noventa do século passado, era eu miúdo, fui à Escócia. Deambulei pelo campo entre cidades. Não fui piegas. Em vez da praia no Algarve, procurei trabalho na apanha da fruta. Empreendedor, parti à descoberta de oportunidades. Não fui sozinho. Ao meu lado, dois irmãos que a vida me deu a escolher, i.e., amigos daqueles cuja empatia, cumplicidade e afecto se mantém até aos dias de hoje. Um longe nos fiordes, o outro perto, connosco a bordo da nau Portugal. Um abraço aos dois!

Falava-vos da Escócia rural, de aventuras que vivi e que nunca esqueci. Por lá apreciam a audácia, talvez por isso nos tenham acolhido com curiosidade e consideração. Recém-chegados a Blairgowrie, fomos desafiados a tentar um salto (supostamente muito perigoso) sobre as águas do rio Ericht. Fomos. Chegados ao local, o lendário Donald Cargill’s Leap, saltámos. Pareceu-me banal, mas no regresso percebi que todos os escoceses que saltaram depois de nós o tinham feito pela primeira vez. Até esse dia, o salto era um exclusivo do mentor da iniciativa, o bom do John-Paul. Naquela tarde, o clube exclusivo acolheu novos membros e tornou-se Luso Escocês. Na verdade, senti-me em casa.

Como nós, os escoceses são competitivos. Especialmente no desporto. Lembro-me de um aceso debate com um jovem amplamente tatuado que gritava “I’m a real Scott from Dundee”. Era uma ameaça. Debatíamos um lance de futebol, onde alegadamente eu lhe teria pontapeado a canela. Se lhe toquei foi sem querer, mas foi marcada falta. O resto do jogo foi durinho, mas leal. Marquei o único golo da minha fugaz carreira de jogador de futebol de 11. Safei-me sem mazelas. Ainda hoje acredito que o salto no Cargill’s Leap abonou a meu favor. Ah, o jovem escocês era um tudo nada menos jovem que eu, e também bastante menos pequeno. Este meu “amigo” rebelde tinha um comportamento curioso. Reparei que ele, tal como a maioria dos escoceses que comigo colhiam framboesa nos campos, curvava-se numa respeitosa vénia sempre que um determinado helicóptero nos sobrevoava a baixa altitude. A chefe da quinta, a maternal mas exigente Leena, explicou-nos que se tratava de nada mais nada menos que o helicóptero de sua majestade a Rainha Isabel segunda. Espantoso, pensei, têm a alma dividida. Como sabem que ela vai lá dentro, perguntei. A resposta foi esclarecedora: “Não sabemos”.

De Inverness a Edinburgh constatei a contradição entre o orgulho nacionalista e a veneração à Rainha. Connosco partilham os paradoxos das velhas nações – Orgulhosos mas resignados. Somos mesmo parecidos. Divergem e muito na expectativa que têm sobre a gestão dos dinheiros públicos. O bom do John-Paul deu-me sobre este tema uma lição que à data não percebi o alcance. Certa manhã, após partirmos da quinta em que trabalhávamos (propriedade de uma simpatiquíssima e nobre senhora inglesa, cujo nome e titulo nobiliárquico não me recordo), seguíamos de autocarro por uma estrada local, estreita e tortuosa, que não obstante não tinha um único buraco. Parecia uma pista! Comentávamos isto entre nós, em português. O espanto com que o fazíamos atraiu a atenção do nosso maior cúmplice local. Após tradução, a naturalidade e convicção com que John-Paul nos respondeu foi marcante. Peremptório disse “claro que não há buracos. Como pode haver buracos quando pagamos impostos para a manutenção das estradas?” Disse-nos tanto em tão poucas palavras. Na sua simplicidade rural, na sua resignada mas orgulhosa cidadania disse-nos o obvio. Após tantos anos, constato que por cá continuamos sem compreender algo tão simples: Pagamos IVA sobre imposto automóvel (dupla tributação); aproximadamente metade do que pagamos por cada litro de combustível é imposto; pagamos portagens ao atravessar pontes; pagamos portagens para circular em auto-estradas; pagamos imposto único de circulação (único!!); pagamos o estacionamento na via publica nas grandes cidades, e em breve pagaremos também portagem para nelas entrar. Sim, pagamos múltiplas (demasiadas) vezes para o mesmo fim, mas mesmo assim, não faltam buracos nas nossas estradas! Só me atormenta a nossa resignação perante tal contra-senso.

Na Escócia hoje, qualquer que seja o resultado do referendo, o orgulho e alma dos escoceses vão sair reforçados do processo. O resultado ditará a independência ou maior autonomia, nunca menos. O consenso é virtude britânica. O velho império sempre fez da hipocrisia uma arte. Em Londres, a tradição imperial não morre. Nota-se quando comparamos as criticas que tece à União Europeia com os argumentos que apresenta em prol da manutenção da Grã-Bretanha. Estou pela independência, quero que o mundo mude, mas se a Grã-Bretanha ainda existir amanhã, os Escoceses serão garantidamente mais autónomos.
Observemos os níveis de abstenção.

Bandeira da Escócia

Sem título (mas com memória)

Não é do Aleixo

 

Sempre que falam em PPP’s, eu, que sou do Norte, digo «PQP, estou farto disto!» e ocorre-me sempre uma pergunta; e uma história.

A pergunta é «quando é que esta M acaba?», e a história, é a do ladrão (realmente) que vai às uvas e do companheiro que fica à espreita (escondidamente).

A jurisprudência chama-lhe cúmplice, não é?

Mas, será que quem, elaborando contratos leoninos transformando futuros incertos em rendimentos crescentes e garantidos, tem nome? Você sabe? Alguém sabe? Não é para lhes dar os parabéns pelo douto profissionalismo. Não!

Embora mereçam…

É para ver se circulam envergonhados pelas ruas (!) ou, se estão para aí acantonados n’algum cargo público (quem sabe até a dar aulas e ensinando), e, também para estar prevenido caso sejam (nunca se sabe…) um dia, escolhidos para ministros (salvo seja!).

 

PS – Não confundir a história com “a raposa do Esopo”, porque essa, coitada, seguiu caminho com a barriga vazia.

http://www.tvi24.iol.pt/programa/4407/134

http://visao.sapo.pt/conheca-os-responsaveis-das-ppp=f689608

Notas: A figura, não é do Aleixo, e o PS, é de Post-Scriptum.

Perder a Cabeça

1Na terra da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, comemora-se hoje a Festa da Federação, feriado nacional que celebra a tomada da Bastilha. Uma data histórica, um marco civilizacional! Faz hoje 225 anos que os oprimidos assumiram o papel de opressores. Lembrei-me do destino daquela que um dia recomendou os brioches como sucedâneo do pão: Maria Antonia Josepha Johanna von Habsburg-Lothringen de baptismo, Marie-Antoinette ou simplesmente Maria Antónia, Arquiduquesa da Áustria, e por casamento Rainha de França. Inocente e pura, também brincava aos pobrezinhos. Pouco mais de 3 anos depois da tomada da Bastilha, foi a vez de os pobrezinhos brincarem aos monarcas. Usaram a invenção genialmente simples do doutor Zé-Inácio, a guilhotina. 2Foi uma festa! Gostaram tanto que mais tarde decidiram usa-la até entre eles. Os carrascos tiveram a oportunidade de testar pessoalmente o seu anterior instrumento de trabalho. Foi uma grande confusão, uma grande partida que o destino lhes pregou. Não terá sido a primeira, nem por certo a ultima vez que o destino fez das suas.

Muitos anos antes, em Viena de Áustria, era ainda Maria Antónia uma criança, senhora sua mãe recebeu a visita de Leopold e dos seus dois filhos pródigos, Maria Anna Walburga Ignatia e Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus. Este ultimo, excitado com a oportunuidade de maravilhar a realeza com a sua prestação artística, terá tropeçado e caído. Maria Antónia levantou-se da sua cadeira e ajudou-o a levantar-se. Grato, mas ousado e destemido retorquiu “é muito gentil, quando crescer casar-me-ei consigo”. Todos sorriram, para grande alivio do pai da criança que hoje conhecemos como Wolfgang Amadeus Mozart. Foi o destino.

Apesar de ter trabalhado arduamente deste a infância até às vésperas da sua morte, Wolfgang morreu pobre. Deixou inacabado o seu magistral Réquiem. Nunca o ouviu, pois o seu funeral foi simples. Como qualquer pobre, foi lançado numa vala comum, sem cerimónia. Parece que o destino nos está sempre a pregar partidas, mas não deixa de ser desconcertante imaginar quão mais doce a vida poderia ter sido para Wolfgang Amadeus e Maria Antónia, se esta tem aceite o impertinente convite de casamento. Wolfgang poderia ter vivido mais anos, mas poderia não ter composto de forma tão intensa como o fez e consequentemente o mundo seria hoje muito mais pobre. Maria Antónia, por sua vez, poderia ter partilhado o destino do proponente, as desventuras e a pobreza, mas nunca teria perdido a cabeça…

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Europeias 2014

Que celebração, que vitória! A maior força politica nacional, a abstenção, mostrou a sua raça. Esmagadora. Não se trata de rejeição, nem preguiça. É pior. É convicção! Cada um olha pelo seu umbigo e salve-se quem poder. Não é bonito, mas é verdade. Não escolhem mas elegem. Serão 21 deputados. Um deles foi eleito com menos de 240.000 votos. Quem é ele? Um empreendedor, está bom de ver: Qual Manuel Sérgio dos dias de hoje, fez aquilo que ninguém faz, observou os números. Compreendeu algo muito simples: Se a maioria não vota, cada voto vale o triplo. Nem necessitou de grande orçamento para campanha. Mal de nós se em vez de representar quem o elegeu, optar como os demais, por se representar a si próprio.

Os verdadeiros resultados. Fonte:  http://www.europeias2014.mai.gov.pt/

Os verdadeiros resultados da europeias 2014
Fonte: http://www.europeias2014.mai.gov.pt/

Os “vencedores” de ontem obtiveram o voto de 10% dos inscritos, e os “derrotados mas pouco”, 9%. Fascinante não é? Os partidos do regime, representarão um quinto dos eleitores (20%). Claro que juntos elegeram mais de metade dos deputados ao parlamento Europeu. Não é bom? É óptimo… Talvez seja o início do fim da hipocrisia, da diferença fingida, da alternância sem mudança. Os apelos de sua excelência, el Rey de Boliqueime serão finalmente ouvidos. Pacto de regime, união entre todos, pois de outra forma não existirão maiorias absolutas nas próximas legislativas. Clarificador. Eu por mim, mantenho o apelo à “dictadura”.

O que dizer das mais de 250.000 pessoas que se deslocaram às respectivas assembleias de voto para anularem o dito, ou o entregarem em branco? Agradeço o seu gesto, simbólico mas pleno de significado. Foram lá. Graças à lei eleitoral, também eles engrossaram as fileiras da força oculta, dessa vontade não expressa que é a abstenção, imponente que sem ambiguidade disse: está tudo bem, façam como entenderem. Eles agradecem. Assim farão.