Monthly Archives: Dezembro 2016

Rumo a 2017

Chega hoje a noite de tréguas. A noite em que se descarta tudo o que se passou no ano transacto, em que acreditamos que o ano vindouro será sempre melhor.

Ao contrário do que aconteceu internacionalmente, a nível nacional 2016 foi um ano aparentemente menos turbulento, talvez porque se mudou a forma de gerir a comunicação governamental, talvez porque se mudou a forma de noticiar, talvez porque estejamos melhores, talvez porque este tenha sido um ano de construção de novas fundações e não de cobrança de resultados.

Nós por cá navegámos em patrulha, contra correntes de pensamento, tentando agitar as águas, disparando os canhões e torpedos à nossa disposição, procurando alertar para os perigosos submarinos que se escondem sob inócuos periscópios sonda da consciência da sociedade civil.

Tão contranatura como a estabilidade da nau Geringonça, tão incompreensível como a manutenção de Passos Coelho ao leme do navio social democrata e tão (ou mais!) inacreditável como a chegada a bom porto da candidatura de Trump nas presidenciais norte-americanas, o crescimento de nosso blog é um mistério absolutamente inexplicável à luz da racionalidade.

Provavelmente, está tudo relacionado e mesmo que nem todos os supracitados fenómenos nos agradem, apraz-nos a recepção tida em 2016 às dissertações da nossa guarnição, com um aumento de 41% de visitas ao blog e de 70% de seguidores em Facebook, pelo que cá estaremos para vos acompanhar na vivência de um novo e maravilhoso ano de navegação e combate marítimo.

Resta-nos desejar uma boa saída de 2016 e melhor entrada em 2017 a todos.

 

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Regimento

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Vivemos o mito da construção europeia como virtuosa obra de salvaguarda do nosso modo de vida, um escudo civilizacional, uma garantia contra a globalização, a ameaça aparentemente oriunda de um local remoto e longínquo. Quem terão sido os precursores da globalização? Fomos nós no século XV, iniciativa portuguesa que posteriormente foi partilhada pelas demais nações do velho continente. Chamava-se então colonialismo. A europa unida como resposta face os riscos da globalização é uma pueril inevitabilidade que apenas procura esconder o seu propósito não democrático. Totalitário até. Qual regime autoritário, nacionalismo sem nação e internacional da normalização rumo à extinção das identidades nacionais para dar lugar ao tal ideal europeu.

Se por um lado, as instituições da união pouco têm de representativo, por outro, as populações distanciam-se. Em qualquer estado membro, a abstenção é superior a 50% em eleições europeias. Esta alienação é cúmplice (e vítima) do processo de menorização dos cidadãos. Quanto menos nos interessamos, mais nos é ocultado pela encenação democrática.

O parlamento europeu é o centro dessa dissimulação do projecto totalitário. Contudo, os únicos representantes democraticamente eleitos, os deputados europeus, disponham ainda de alguns expedientes que importunavam a sacrossanta construção europeia. Foi por isso revisto o regimento, i.e. as regras de funcionamento do parlamento europeu. Apresentado o relatório, as alterações foram aprovadas com discrição. A mudança limita a acção individual, impondo a disciplina de voto na lógica de cada grupo parlamentar. Desresponsabiliza a acção de cada deputado, suprindo a capacidade dos eleitores avaliarem a sua conduta e assim facilitar a aprovação de legislação sem qualquer tipo de escrutínio. Subalterniza ainda a democracia dos estados membros aos resultados eleitorais de apenas dois países, a França e a Alemanha. União? Não! Submissão.

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Natal Social

Numa quadra propensa à benfeitoria como forma de expiação de comportamento padrão ao longo do ano, ocorreu uma situação um pouco anómala. Em contra-ciclo, exactamente nesta época, foi ‘limpa’ uma das zonas onde o flagelo da exclusão social mais sobressaía desaparecendo como que por magia as dezenas de sem-abrigo que pernoitavam na estação Gare do Oriente em Lisboa.

As notícias oficiais dizem que foram todos muito bem acolhidos por instituições, o que passa uma ideia de que está tudo bem para quem não tem contacto com essas pessoas nem com os meios adequados inexistentes para lhes acudir.

Confesso que fico intrigado. Quem socializou com os sem-abrigo da Gare do Oriente sabe que muitos deles recusavam veementemente  a institucionalização, muitos apresentavam até relatos de experiência pessoal, com argumentação convincente, do porquê da sua recusa.

Para quem tem um tecto, rede familiar, comida e conforto, olhar em passagem para uma pessoa em condição de sem-abrigo resulta numa projecção superficial de “e se fosse comigo” que conduz a uma linha de raciocínio de “eu sem-abrigo” muito pouco aplicável à realidade que é “aquela pessoa sem-abrigo”. Intuitivamente julgamos que lhes falta um lar, uma família, rendimentos, conforto. Muitas vezes erradamente. Na verdade não conseguimos projectar ser aquela pessoa sem a conhecer, a sua vida, as suas decisões, as suas convicções, o seu dia-a-dia, até que tenhamos entendimento e legitimidade suficiente para pensar sobre si e a sua condição.

O adquirir deste conhecimento é o passo à frente em relação ao doar surdo-mudo de bens materiais. É o ter de dar um pouco de ti, do teu tempo, da tua intimidade, do teu pensar, do teu ser, quebrar as próprias barreiras mentais, para interagir socialmente com quem normalmente só se interage materialmente. Porque temos ali um ser humano que não se abre com desconhecidos, que se abre com amigos, que conversam, que contam histórias uns aos outros, sem julgamento, apenas pelo prazer do convívio e da troca de ideias.

Tenhamos em conta que o ficar sem-abrigo é um choque inicial, tal como qualquer mudança radical de rotina ou estilo de vida. Primeiro estranha-se, depois entranha-se. A rua quebra. Longos períodos de rua transformam aqueles que assim vivem, alteram parâmetros e padrões de vida, isolam socialmente, formatam o pensamento.

Por tudo isto o que de melhor podemos fazer por pessoas sem-abrigo não é fornecer-lhes periodicamente o alimento, roupas e mantas, que de certo modo são medidas de contenção e não de resolução do problema. Um dar desorganizado contribui mais para o perpetuar do que para o ajudar. Devemos sim tentar resgatar estas pessoas do isolamento social através do fornecimento de tecto e acompanhamento comunitário. Porque aquele “ele” mais não é do que um reflexo do “nós”. E é isso que todos percebemos no Natal.

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Qui? Moi?

O Cour de Justice de la République – CJR, é um tribunal especial da república francesa sem congénere nacional, uma vez que apenas avalia a conduta dos ministros da república. É portanto um tribunal de governantes, que julga os casos de má conduta durante o exercício de funções. Uma nobre função, uma organização de grande importância para o regular funcionamento das instituições, mas cuja existência se deve cingir a nações com orçamentos desafogados, ou que (pelo menos) os juros da dívida soberana não façam parte das rotinas noticiosas.

Hoje que falta uma dúzia de dias para acabar o ano, o CJR condenou a actual Directora-Geral do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, por negligência enquanto exerceu funções como ministra da economia da república francesa. O caso envolve um polémico empresário, um fabricante de calçado alemão e um banco francês. O empresário, ele próprio ex-ministro das cidades de França no tempo do malogrado ami Mitterrand, Bernard Tapie é uma espécie de José Sócrates gaulês, mas à devida proporção. Durante uma década, esteve em todas. Dessa feita, à época falido, vendeu a sua participação na Adidas ao banco francês Crédit Lyonnais, que por curiosa coincidência também faliu. Esta venda, culminou em litígio entre o vendedor e o comprador. O desfecho desta disputa foi favorável ao empresário e foi precisamente por não ter recorrido desta decisão que Lagarde foi hoje condenada por negligência. Qual a pena? Nenhuma! É por isso que prescindimos deste tipo de tribunal especial. Seria um custo incomportável para uma função inconsequente.

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Nobel da Nota

Vivemos dias de exacerbado orgulho nacional, de repetida celebração dos protagonistas do momento, por isso resolvi relembrar um notável de outros tempos, o primeiro português galardoado com um prémio Nobel. Nascido a 29 de Novembro de 1874 em Estarreja, Aveiro, o Professor Doutor António Egas Moniz não herdou o apelido de seu pai, mas foi por influência do irmão deste que foi baptizado. A família paterna descendia directamente de Egas Moniz de Riba Douro, o Aio, um distinto indivíduo a quem o nobre Conde D. Henrique de Borgonha confiou a educação do seu primogénito, aquele que pela força criou um reino e se fez rei, Afonso I de Portugal.

Hoje, no sexagésimo primeiro aniversário da morte do Professor, invoco a exuberância dos seus órgãos vestibulococleares (vulgo orelhas) característica que o deprimia, mas é sobretudo com muita saudade que lembro a nota criada em sua homenagem, a nota de dez mil escudos, esse símbolo da soberania monetária de outrora, livre no seu perpétuo movimento de desvalorização, mas ainda assim com maior poder aquisitivo que os actuais 50 euros.

Estranha esta saudade, não é? Logo agora que não só não existe inflação como nunca a diversidade de escolha foi tão vasta. Antigamente, quando os preços subiam constantemente, ao invés de milhares de produtos e marcas diferentes, coitados, éramos forçados a consumir os clássicos como a pasta medicinal Couto, o restaurador Olex ou as doces Fantasias de Natal, aquelas em cujo anúncio o Coelhinho ia com o Pai Natal e o Palhaço no comboio ao circo

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A vanglória de governar – Ano 1

Por estes dias tem-se celebrado efusivamente o primeiro aniversário deste inédito formato de governação. Por um lado uma enorme felicidade pela robustez da geringonça, que atravessou calmamente o seu primeiro ano de vida, pelo outro uma enorme satisfação para com os resultados obtidos, após apenas um ano de exercício de poder! São estas as bandeiras içadas que ilustram o sucesso do novo rumo de Portugal:

  • Sólido desempenho das contas públicas com previsão do défice mais baixo de sempre;
  • Crescimento económico recorde na zona euro;
  • Aumento de 6% do investimento empresarial;
  • Aumento de 6,6% da exportação de bens;
  • Mais baixa taxa de desemprego desde 2011;

Mais uma vez, sem pudor, existe uma transformação do impacto de factores externos  imprevisíveis em acções de mérito próprio, bem como a apropriação de todos os louros que conduziram a este cenário.

Parece-me assim pertinente relembrar que o primeiro ministro António Costa foi nomeado em fim de Novembro de 2015, ao que se terá seguido um período de transição de pastas e de alinhamento operacional com parceiros de esquerda, que o orçamento de 2016 só obteve aprovação em Março de 2016, tendo iniciado a sua execução em Abril. Isto quer dizer que decorridos praticamente 6 meses de uma governação em marcha, existe já um vangloriar de resultados obtidos. Como se políticas de médio a longo prazo produzissem resultados imediatos em tão curto-prazo.

Quanto a economia e emprego o turismo reforça o seu peso. Dever-se-á a acção governamental? Ou deveremos antes agradecer aqueles que espalham terror noutros destinos? Ou aqueles que apesar da política de cortes decidiram reforçar a promoção do turismo em Portugal? E se é o turismo encarado como um pilar da economia porque se age de forma tão leviana em matérias que podem colocar em perigo a exploração desse filão?

Será o estupendo aumento de exportações também o resultado instantâneo de acção governamental? Ou resulta da execução nos últimos anos de programas de promoção de produtos e serviços de Portugal em feiras internacionais?

Do que me recordo este governo apostou na restituição de rendimento aos portugueses, confiante que isso se traduziria num aumento do consumo interno. Ainda não é claro se o objectivo está a ser atingido, nem qual o seu impacto nas contas finais, sendo sim evidente que existe um aumento significativo dos níveis de crédito ao consumo. Ora esta não era uma das situações preocupantes verificadas quando rebentou a actual crise?

Finalizando é absolutamente inegável que esta gerigonça tomou muitas medidas que arrepiam caminho em relação ao traçado pela anterior governação, tal como é inegável que algumas das estratégias passadas permitem neste momento colher alguns frutos. O facto deste governo estar em funções na fase da colheita, surgindo na fotografia com os bons frutos resultantes, não deveria dar-lhe o direito de assumir todo o mérito de produção pois o seu cultivo, semeio e criação, couberam a outros cuja recompensa foi a destituição do seu cargo por uma união de esquerda descrente nos resultados de que hoje se apropriam.

Desejo sinceramente que, para o bem de Portugal, no próximo ano existam muitos motivos para que este governo se vanglorie com maior legitimidade sobre os resultados obtidos no culminar de uma temporada inteiramente preparada e executada por si. Até lá mais trabalho e menos basófia por favor.

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Gladiator

Um grande e longo filme, um enredo épico, uma desventura na antiguidade, um clássico do cinema moderno, um relato sobre a cruel natureza humana. A história conta-nos a vida de um guerreiro caído em desgraça, feito escravo e obrigado a lutar como gladiador em pleno auge do grandioso Império Romano. A narrativa começa com uma fenomenal demonstração de força da Legião Romana, da sua implacável brutalidade e sagacidade de manobra. Liderado pelo General Matteo e sob supervisão do bondoso e velho Imperador, o exército romano esmaga o inimigo numa grandiosa batalha. Embora os guerreiros germânicos sejam corajosos e destemidos, o exército bárbaro sucumbe à eficácia da Legião Romana, essa invencível máquina de guerra que impôs ao mundo de então a sua paz. Sem alternativa!

Morto o velho Imperador, o bom, assume o trono o seu filho mimado, o mau. Temendo o poder do General, o Imperador mimado ordena o seu assassinato às mãos da muito zelosa guarda pretoriana. Este, guerreiro feroz, consegue escapar e tenta em vão salvar a família. Perdido, é capturado e feito escravo. Levado para muito longe, é forçado a lutar pela vida e embora inicialmente desmotivado, lá aprende a apreciar a ovação do publico enquanto massacra os adversários na arena. Ave Draghi qui morituri te salutant

Sem entes queridos, o seu único propósito é o desejo de vingança, oportunidade que o destino acaba por lhe oferecer, conduzindo-o até ao circo de Roma para um referendo. Ironicamente, a sua sobrevivência depende mais da armadura que do gládio!

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