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A greve dos autómatos

Que dizer desta greve dos camionistas? Parece-me particularmente útil para perceber porque valores nos regemos como sociedade e como cidadãos.

O pré-aviso de greve foi feito com um mês de antecedência, sim, foram dados 30 dias para que cada um se organizasse para sentir o mínimo impacto possível em termos de abastecimento de combustível e de mantimentos.

O intuito de uma greve é exactamente esse, sentir-se o impacto da ausência de funções, avaliando se as condições exigidas serão ou não razoáveis face à redescoberta da importância da justiça e respeito para com os trabalhadores.

Uma boa parte dos portugueses está de férias, considerando uma maçada ter de lidar com este transtorno nesse momento de lazer. Eles estão a trabalhar 14h a 16h horas por dia, sem devida remuneração de trabalho extra, com um salário base de apenas 630 €? Agora não por favor, estou de férias…

Desta forma, em termos de aceitação da opinião pública, os motoristas de camiões partiram em desvantagem para esta greve, percebendo-o, o governo assoberbou-se de tal forma que decidiu assumir-se como campeão da defesa do lazer e tranquilidade veraneante, retesando músculos, aplicando um garrote asfixiante em busca da desistência por nocaute técnico.

E assim esta (tentativa de) greve demonstra-nos como a democracia pode ser moldada para assumir um autoritarismo de outros tempos, anulando, legalmente, o direito de uma classe laboral à luta por melhores condições.

Mais do que a paralisação são princípios que estão em jogo sendo um palco tão delicado que inclusive se nota o silêncio da oposição e parceiros de geringonça que noutras classes estiveram e/ou estariam lado a lado, visitando piquetes, pressionando o governo a resolver a situação. Poderá o facto de serem “apenas” 800 não valer o risco político?

No fim de contas temos que os motoristas estejam apenas a ter o canto do cisne, evidenciando como é crítico, para a segurança do sistema, acelerar a automação das suas funções. Governantes e patrões não deixarão passar isso em claro, poderiam ao menos ter a decência de proporcionar uns bons últimos anos aos trabalhadores, que até aqui tanto têm dado e prescindindo a troco de um salário mínimo nacional como base, mais outro como compensação pelas horas extra, risco e desgaste associados à sua profissão. Provavelmente até serão mais baratos do que robots mas, uma vez que se tornaram num grande risco político e económico, mais vale a despesa extra para autómatos coniventes do que este regabofe insurgente.