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Ucrânia – sinais dos tempos

Este não é um post fácil de digerir. Tem o objectivo consciente de provocar, oferecendo uma perspectiva de choque, na esperança de despertar pensamento crítico sobre tudo o que nos é comunicado. Desanima-me muitas vezes ver pessoas com o sentimento adequado, compaixão para com as vítimas, mas o entendimento completamente adulterado, ódio incondicional para com a Rússia, como se o mundo Ocidental não tivesse grandes responsabilidades no que está a acontecer neste e noutros temas.

Em caso de indignação ou altercação por favor saltar para última secção.

Enquadramento Histórico

É comum ouvir ao vivo, ou ler em posts contemporâneos, palavras de sentida e completa diabolização da Rússia, colando uma civilização milenar ao seu actual líder, ou aos horrores presentes nos seus últimos 100 anos de história (algo similar ao que também acontece com a China).

Antes de reagir, tomar posições firmes e verbalizar palavras sentidas, seria um bom exercício que cada um(a) aproveitasse este momento para explorar o passado, antigo e recente, procurando adquirir uma percepção informada daquilo que dele se reflecte hoje neste presente, que não deixa de ser um certo deja vu do acontecido com a Crimeia do ponto de vista estratégico e geo-político.

Depois desse trabalho de casa verifica-se facilmente que mais uma vez os media ocidentais gostam de cozinhar uma narrativa, com omissões grosseiras, que induza uma tendência forte de entendimento e sentimento generalizado.

Sinais Preocupantes

Durante a juventude intelectual é normal que tenhamos uma certa soberba, de olharmos para os problemas do mundo detectando de caras as decisões idiotas que conduzem a conflitos ou catástrofes de várias naturezas, de acharmos que os representantes e decisores de altas instâncias são profundamente incompetentes. Mais tarde, com a continuidade e instalação de humildade, percebemos que o desenrolar dos acontecimentos é desenhado e conduzido de forma magistral, com muita minúcia, formatando a opinião pública para a aceitação, advocacia e apoio das linhas gerais de acção/reacção desejadas. Deixo aqui alguns pontos à (re)consideração.

A batalha pela mente acentua-se, sendo designada de guerra de (des)informação. Não me levem a mal mas é óbvio que ambos os lados manipulam os acontecimentos para tentar conquistar a opinião pública. É essencial ter acesso a ambos para identificar discrepâncias que merecem ser investigadas para perceber onde está a verdade. A aceitação da censura do acesso à informação emitida pelo “inimigo” é mais preocupante e perigosa do que os perigos de ter contacto com propaganda grosseira. Estão basicamente a dizer-nos “não se preocupem, as entidades competentes farão a filtragem dos conteúdos informativos sobre este conflito, confiem absolutamente em nós que somos os guardiões da verdade e da justiça”. Um exemplo é a acusação trocada de combate a fascismo e nazismo. De caras a Rússia é ensacada nesse estereótipo mas depois percebemos que existe algo na Ucrânia chamado Batalhão Azov com alta influência em temas de defesa e militares, ficando então mais complicado de definir a quem aplicar o esterótipo de forma exclusiva. Deixo alguns canais Telegram onde ainda é permitido cruzamento com informação diferenciada, que também deve ser consumida e filtrada com cautela: Coach Red Pill, Storm Clouds Gathering, O Informante.

A promoção da guerra vs a promoção da defesa. Temos países europeus a oferecer armamento a uma das partes de um conflito armado às portas da União Europeia, a unir-se num isolamento económico-digital nunca visto à Rússia e aliados, a lamentar que uma das partes não seja já membro da UE e/ou NATO tentando congeminar formas de o conseguir concretizar de forma benemérita para assim legitimar políticamente uma intervenção no terreno (que basicamente seria o oficializar da 3ª Guerra Mundial envolvendo potências nucleares de ambos os lados). Tudo isto tem consequências gravíssimas e impacto mundial a todos os níveis, sendo claro que depois de criado um ambiente de repulsa para com um dos lados se apelou a que uma guerra “moral” contra o agressor terá custos elevados que a população tem de estar preparada para suportar. Estaremos mesmo cientes e preparad@s para todas as possíveis consequências, inclusive de um envolvimento directo?

A construção do grande herói. Zelensky está a ser retratado como homem dos tomates de ferro, o verdadeiro líder patriota, a encarnação da coragem e despertador de libido na sua legião de nov@s admiradores. Zelenksy é um político, isso só de si já diz muito. Imaginemos um líder altamente competente, com capacidade de análise estratégica geo-política, conhecedor de acordos históricos recentes e do impacto das suas decisões no saudável equílibrio das relações com nações vizinhas. Terá decidido consumar uma aproximação à UE e NATO, certamente tendo conversas de altas instâncias onde lhe terá sido garantido apoio (in)condicional. Empoderado por esse apoio ousa desconsiderar sérios avisos de uma nação vizinha historicamente poderosa, influente, quiçá mesmo ameçadora, esquecendo o recentemente ocorrido no episódio Crimeia. Um conjunto de palavras e actos geram uma avalanche de acção/reacção que resultam em invasão militar e isolamento no terreno, pois afinal as suas costas não estariam tão quentes como pensaria. Apressa-se a fazer apelos de ajuda, a chamar de fracos e brandos à UE e NATO que, segundo ele, se acobardam vergonhosamente perante o abraço do urso, recusando-se a pronta intervenção militar moralmente defensável. Ao mesmo tempo proíbe os homens dos 18 aos 60 de sair do país, iniciando um armamento massivo indiscriminado de civis que instiga a combater por todos os meios possíveis. Colocando de parte a aprumada gestão de imagem, o eficiente marketing digital, os monólogos bravos, emotivos e eloquentes, se nos focarmos antes na sua agenda de acção/reacção, é claro que instiga o iniciar e escalar do conflito a nível mundial, criando as condições para uma ainda maior catástrofe de perda de vidas humanas ao promover que civis confrontem forças militares profissionais. A situação não é fácil, claramente é desesperante para quem está no terreno, mas parece-me faltar algum discernimento em todo o processo, juntado-se à equação de que se a Rússia quisesse poderia ter arrasado completamente o país numa semana ao invés de fazer ataques e capturas cirurgícas. Ao contrário do reportado, as forças Russas não estão a ser incompententes ou altamence rechaçadas por heroismo Ucraniano, é provável que simplesmente estarão a exercer uma estratégia de ocupação com progressão lenta, cercos controlados e tentativa de diminuição de baixas de civis, pois é fulcral não aumentar ódio inflingindo baixas desnecessárias (sobretudo se a ocupação for o objectivo). Do meu ponto de vista, um herói não instiga o escalar do conflito, nem “obriga” a sua população a permanecer no terreno para defesa incondicional do seu país. Um herói moderno tem de ter a capacidade de retrair, renegociar, fazer o que é necessário para minimizar perdas ao enfrentar um agressor que é praticamente imparável do ponto de vista militar sem ajuda externa. Poderia ter tido a inteligência de o fazer muito antes do conflito estalar, mesmo que isso atrasasse as suas pretensões de aproximação ao Ocidente. Seja como fôr, temos um herói em ascensão, uma nova referência ocidental do líder ideal em momentos de crise, engrandecido como o grande influencer do momento. (por onde andará Ghandi e a sua inspiração?)

Solidariedade para com vítimas de guerra

Independentemente de tudo que foi escrito acima, de onde está o ónus da culpa, há algo que é inquestionável: o sofrimento humano atroz provocado a vítimas directas ou indirectas de qualquer acto militar. Desde os civis aos próprios soldados que muitas vezes são programados ou forçados a obedecer/reagir sem reflectir sobre os seus actos e pensamentos. De ambos os lados.

Neste momento é a Ucrânia que infelizmente se junta aos vários conflitos activos no mundo, sendo de louvar o genuíno sentimento de compaixão e movimento de auxílio, quase instantâneos, para com esse povo repentina e inesperadamente tão necessitado às portas da UE.

Para quem queira e não conheça aqui ficam dois links para chegar a plataformas que servem de ferramenta para exercício de vários tipos de auxílio.

Manifestis Probatum

A data é festiva, a Nação Valente e Imortal celebra hoje o seu octingentésimo quadragésimo aniversário. Muitos Parabéns! O tempo deixou a sua marca, mas não envelheceu mal. Mantém boa figura, nem aparenta a idade que tem. Como todas as grandes divas, suscita dúvidas quanto à verdadeira idade. Muito embora o mundo, qual legião de fãs, celebre hoje o seu aniversário, a data de nascimento está envolto em polémica. Nem de outra forma poderia ser! Consideremos apenas algumas das hipóteses:

Tudo começou com a revolta de “o Conquistador” contra a sua progenitora. Talvez os pais da Nação não tenham sido tão egrégios quanto os avós, mas certo é que a vitória lhes sorriu nos campos de São Mamede, a 24 de Junho de 1128. Eis a primeira das datas a considerar. Completaríamos, daqui a apenas 32 dias, a bonita idade de 891 anos.

A hipótese seguinte, a 25 de Julho de 1139, data em que Rex Portugallensis se autoproclamou após a vitória na batalha de Ourique. Neste caso a festa dos 880 anos seria daqui a 63 dias. Confesso a minha simpatia para com personalidades resolutas, talvez por isso prefira esta data. Gosto da ideia de soberania sem pedir licença a ninguém.

Por último, a data de assinatura do Tratado de Zamora, a 5 de Outubro de 1143, momento em que o Reino de Leão reconhece a independência do Reino de Portugal. Deliciosa coincidência esta, onde somente 767 anos separam monarquia e republica. Neste caso o bolo teria 876 velas e a festa seria daqui a 135 dias.

Polémicas à parte, a data oficial é a de hoje, 840 anos após a Bula papal “Manifestis Probatum” outorgada a 23 de Maio de 1179 pelo Papa Alexandre III. Celebremos!

Está claramente demonstrado que, como bom filho e príncipe católico, prestou inúmeros serviços à Santa Igreja, com destreza militar superou intrepidamente as dificuldades, exterminou infiéis e propagou diligentemente a fé cristã, deixando assim nome digno de memória e um exemplo merecedor de imitação às futuras gerações.

A Sé Apostólica deve amar com sincero afecto e esforçar-se para atender eficientemente, em suas justas exigências, àqueles escolhidos pela divina Providência para o governo e salvação do povo.

Nós, portanto, por causa de suas qualidades de prudência, justiça e dignidade do governo, levá-lo sob a protecção de São Pedro, e conceder e confirmar pela autoridade apostólica para o seu excelente domínio, o reino de Portugal, honras completas do reino e a dignidade que corresponde aos reis, bem como todos os lugares que, com a ajuda da graça celestial, arrancou das mãos dos sarracenos e sobre os quais os seus príncipes cristãos vizinhos não podem reclamar nenhum direito.

E para que sua devoção e serviço a São Pedro, príncipe dos Apóstolos, e à Santa Igreja Romana possam crescer, decidimos estender essa mesma concessão a seus herdeiros e, com a ajuda de Deus, defendê-los por eles. No que diz respeito à nossa magistratura apostólica.

Espelho de Diana

Ao contrário do que a leitura do título possa denunciar, este texto não é nem reflexo, nem evocação da data, leia-se a efeméride do desaparecimento da outrora “sua alteza real”, para sempre “princesa do povo”, a malograda Diana Spencer. Negativo! A Diana hoje é outra, é mitológica. Não é propriamente a protagonista, mas está no centro da trama. Ora, a mais casta das deusas romanas, irmã gémea de Apolo, filha de Jupiter e de Latona, deusa da Lua, dos animais e da caça, está na origem do nome que há dois mil anos os romanos davam ao lago que hoje conhecemos com Lago Nemi, mais concretamente Speculum Dianae, latim que em bom português significa “espelho de Diana”.

A fama deste pequeno lago também se fica a dever a um dos mais inusitados projectos de construção naval de todos os tempos, pois foi naquele local que o imperador romano Calígula mandou construir (pelo menos) dois navios com mais de 70 metros de cumprimentos, feito cujo único propósito se julga ter sido satisfazer a sua megalómana personalidade. A sua cruel excentricidade foi tal que Cláudio, o seu sucessor, tudo tentou para apagar todo e qualquer vestígio do seu legado. Mandados afundar, os navios permaneceram no fundo até que em pleno século XX o ditador Benito Mussolini mandou drenar o lago fazendo-os emergir gradualmente.

As duas jóias de arquitectura naval foram então transportadas para um museu especialmente construído para as albergar, mas lamentavelmente não sobreviveram ao incêndio que as destruiu completamente em 1944. As causas do fogo nunca foram esclarecidas, se por acção de militares alemães em retirada ou por acção de bombardeamento aliado. Afundados por Cláudio, preservados submersos durante séculos, uma vez resgatados, os navios sucumbiram ao fogo. Ironia do destino? Certamente, pois o sucessor de Cláudio foi Nero, o pirómano.

UnBrexit

As relações bilaterais do Reino Unido com a Rússia remontam ao século XVI, mais precisamente a 1555, ano em que através da “Companhia Russa” foi institucionalizado o monopólio de todo o comércio anglo-russo. Reinavam Maria I do lado britânico e o Czar Ivan IV do lado russo. A monarca britânica, primogénita do segundo dos Tudor e primeiro dos protestantes – o mulherengo Henrique VIII, ficou entre os seus súbitos conhecida como Bloody Mary em virtude da sua vã, mas sangrenta, tentativa de reverter a reforma protestante iniciada pelo pai. Já o Czar de todas as Rússias, Ivan IV ficou para a história conhecido como O Terrível, cuja sagaz mas intempestiva personalidade conduziu, num momento de ira, ao assassinato do seu filho e herdeiro. Enquanto Bloody Mary governou contra o legado de seu pai, foi o próprio Ivan O Terrível que negou o legado ao seu primogénito.

Desde então, Rússia e Reino Unido têm sido tanto inimigos como aliados, conforme circunstâncias e oportunidades. Os contrastes e simetrias mantêm-se: O Reino Unido, uma democracia parlamentar cujo poder executivo é hoje liderado por uma senhora, que tal como Bloody Mary, tenta em vão remar contra a corrente, leia-se Brexit. Enfrenta enormes desafios, quer no plano doméstico, quer no plano internacional; A Rússia, uma democracia autocrática, tem hoje um novo tipo de Czar, tão sagaz como Ivan o Terrível, mas que ao contrário deste não manifesta qualquer tendência para a impulsividade. Frio e implacável como o “General Inverno”, suportado pela oligarquia da energia, tem assumido um papel cada vez mais consolidado como protagonista global.

Eis como a circunstância pode constituir uma oportunidade. Tudo quanto o Reino Unido tem em comum com a União Europeia não foi suficiente para evitar o resultado do referendo ao Brexit. Reverte-lo obrigará a uma mudança de fundo. Nada como um inimigo comum! Se o que somos não nos une, então talvez aquilo que não queremos ser o consiga!

Le Service National Universel

Na Europa dos impérios, os primeiros anos do século XX caracterizaram-se por grandes contrastes de percepção, sobretudo no que à guerra dizia respeito. As populações, esquecidas dos horrores da guerra, deslumbradas pelo progresso tecnológico, viviam confiantes e tranquilas, seguras da paz. Já os governos não. Os mais avisados, que não o nosso, lançaram-se numa corrida às armas que para história ficou conhecido como o período da Paz Armada. A Europa nada temia senão a si própria. O centro do poder económico e militar do planeta era Europeu. O resto do mundo pouco contava, a China dormia, os Estados Unidos da América firmes e convictos nas virtudes do isolacionismo e o Japão dava os primeiros passos na era moderna após a revolução Meiji. Surgido o pretexto, tudo se precipitou tal e qual a explosão sucede ao atear do rastilho. Superficial e sucinto, foi este o contexto que precedeu o primeiro conflito mecanizado da história. Mesmo quando para as populações se tornou evidente a iminência da guerra, prevaleceu a ilusão que a modernidade precipitaria um rápido desfecho, que o tumulto seria violento mas breve. Como sabemos, a realidade foi bem diferente. Tudo mudou, a Europa deixou de ser o centro político do mundo. O conflito entre os poderosos da Europa revelou-se fratricida. Todos perderam.

Pouco mais de um século volvido, eis-nos novamente confrontados com o mesmo tipo de ameaças. Populações convictas da paz assistem passivas a um novo período de paz armada patrocinado pelos seus governos. A França de Macron deu hoje um sinal claro, anunciou o regresso do serviço militar obrigatório.

O impacto da escolha dos carris

Portugal está há muitos meses política, social e jornalisticamente encravado. Engolido  por um furacão temático que o contém, supostamente a salvo, no seu pacífico olho, obrigando-o a dançar ao sabor dos ventos que o circundam, impedindo-lhe o vislumbre do horizonte. Nesses ventos são reciclonados caoticamente os mesmos temas  que perigam à vez o país: incêndios, Tancos, taxa de desemprego, crescimento económico, turismo, greves, dinâmica da geringonça, Marcelo em todas, crise no PSD, We Brand, negociações sindicais, operação Marquês, décimas do deficit, etc, apimentados com umas Trumpalhadas, alarmismos e terrorismos internacionais.

Devido ao toldar de visão este furacão cria uma perigosa ilusão, a de que são estas as questões de fundo essenciais ao futuro do país e do mundo. Estranhamente deixou de se falar da crise dos refugiados, da guerra da Síria, anteriormente tão absorventes, estarão resolvidas? Alguém se lembra da discussão do impacto do CETA/TTIP para Europa e Portugal? Ou é para ser assumido como um facto consumado com que ninguém tem de se preocupar? Será relevante evidenciar que atravessamos um período de seca gravíssimo e que o país precisa de repensar toda a sua gestão de recursos naturais?

Para lá desta barreira temática existem povos, aparentemente não condicionados, que vislumbram bem mais além, ousando tomar medidas disruptoras focadas na construção de um futuro melhor, não necessariamente do ponto de vista económico.

Seria muito bom que Portugal e os portugueses acompanhassem estes movimentos que vão redefinir o mundo a médio-prazo. Claro que para isso teríamos de ter uma população formada e informada, que colocasse o orgulho no seu estilo de vida, no seu impacto positivo no mundo, acima do orgulho desportivo, do comodismo do seu umbigo, uma população que da mesma forma que rejeitaria a nomeação de corruptos comprovados para tesoureiros do seu dinheiro não os elegesse para mandatos políticos renovados, uma população que colocasse o interesse comum acima do seu mesquinho interesse pessoal.

Estou certo que um dia aí chegaremos. Até lá continuaremos a desfrutar da relativa tranquilidade do olho do furacão, fortalecendo-nos num presente que em breve será um passado muito diferente do futuro que se avizinha. Quando terminar a tontura deste constante rodopiar constataremos que talvez devêssemos ter aproveitado todo o esforço despendido não a reentrar nos eixos de que saíramos mas sim a encarrilar em novos rumos, mesmo que economicamente menos favoráveis a curto prazo.

Fazedor de Independentistas

Face ao elevado e infelizmente habitual nível de abstenção nacional, ao invés de me debruçar sobre as nossas eleições autárquicas de ontem, opto pelo referendo Catalão. Ilegítimo ou unilateral, conforme as hostes e simpatias, o acto decorreu da pior forma possível. Enquanto os catalães se colocam à mercê dos cassetetes para votar, por cá nem à bastonada acordamos. O contraste só não é engraçado porque em ambos os casos os impactos são dramáticos. Choca-me a indiferença de cá, país com mais de oito séculos, no qual, apesar de recente, a democracia é altamente subvalorizada por quase metade dos eleitores. Como Estado-Nação, nem nos damos conta daquilo que somos!

A Catalunha, Nação secular, subjugada desde o reinado de Isabel a Católica, unificada nesse Estado de várias nações que se chama Espanha, manteve acesa a chama da sua cultura, da sua língua e das suas tradições. Independentemente de quaisquer interesses ocultos, eventualmente pouco justos ou até mesmo discriminatórios e sobranceiros para com as outras nações espanholas, é impossível não sentir alguma simpatia pela luta independentista dos catalães. Se por um lado o coração dita empatia, por outro a razão dita reservas. Assim é, assim será sempre que a ordem estabelecida dá sinais de mudança. Todos teremos, tal como os catalães, uma perspectiva egoísta – Será bom para nós?

Na dúvida, geralmente preferimos manter tudo como está. Talvez por isso, o governo espanhol optou por abordar o tema pela via legal, em detrimento da via politica. Com esta postura, Mariano Rajoy ao invés de guardião da indivisibilidade do estado espanhol, transformou-se no maior fazedor de independentistas. Não percebeu que os melhores e mais importantes aliados da sua causa são os catalães que não querem deixar de ser espanhóis. A estes, não só aos outros, negou o direito de tranquilamente, sem qualquer tipo de ameaça, manifestar em urna a sua vontade. Ontem despertaram muitos independentistas. Nunca a soberania foi outra coisa senão uma questão politica.

Içados do Lixo

Meia dúzia de anos volvidos, eis-nos subtraídos ao entulho, içados do lixo pela majestática e impoluta instituição de notação financeira. A agência em causa, que tal como as demais, jamais foi contaminada pela falha, equívoco ou erro, proferiu o seu magnânimo e positivo parecer. Celebremos! A festança será obviamente manchada pelo já habitual debate reivindicativo do mérito entre o actual e o anterior governo da República. Esta disputa tem um, e um só, ponto de convergência entre as partes em contenda. Ambas enaltecem os heróis do feito, nomeados voluntários à força para esta causa, os contribuintes portugueses. Pessoalmente dispenso o gesto de reconhecimento, pois não só é manifestamente hipócrita, como é um atestado de infantilidade que a todos nos passam. Se assim não fosse, os protagonistas não disputariam entre si louros ou glória pela ascensão no nível do aterro das dívidas soberanas.

Insultam-nos com os seus elogios fúteis e a sua descarada falsa modéstia. Falsa quer por falta de humildade dos actores, quer por ausência de fundamento. Os riscos mantêm-se e, como sempre, os avisos repetem-se. Estamos no domínio do menos mau, entusiasmados com pouco. Habituados ao nada, nem questionamos a “dádiva”. Gratos, congratulamo-nos, resignados ao incontornável poder dos mercados e dos seus agentes, não democráticos e por isso ditos idóneos. A economia de mercado de outrora confunde-se hoje com a ditadura da finança. Acabaram os estados soberanos, daí o desinteresse e a abstenção crescente. No fundo, mesmo quando não reflectimos sobre onde reside o verdadeiro poder, sabemos sempre quem manda. É triste que tudo isto se tenha tornado banal.

 

Cerco à Sardinha

Celebrados os feriados dedicados aos Santos Populares, finda a festividade e cumprida a tradição, eis a mais recente demonstração de subjugação da nação. Por cá andamos há mais de 8 séculos, mas aparentemente não nos sabemos governar nem precaver. Felizmente, há quem olhe por nós, há quem nos coloque na linha. Desta feita a sapiência provém de Copenhaga, na Dinamarca, sede do International Council for the Exploration of the Sea (ICES), entidade que aconselha a soberana Comissão Europeia em matérias de pescaria. Segundo o mais recente parecer, parece que estamos a dizimar a espécie cientificamente designada por Sardina pilchardus, vulgo Sardinha. Tal atentado à biodiversidade é perpetrado pela frota portuguesa de pesca de cerco, arte de captura realizada por cerca de 130 pequenas embarcações. Estas terríveis fábricas de destruição, realizam viagens diárias para pescar na vizinhança dos seus portos de origem, fazendo-o até 180 dias por ano, descansando pelo menos 2 dias por semana. Uma inexorável máquina de extermínio.

A indefesa Sardinha, impotente contra a implacável sofisticação destes “navios não-fábrica”, está condenada à extinção. Ao invés de embalado e congelado, imagine-se, o pescado chega a terra fresco! É de uma crueldade atroz. Conclusão? Quinze anos de interdição de pesca! Os ditos cientistas, suportam a sua recomendação em modelos matemáticos e probabilidades. Tudo muito científico…

Contudo, é a própria comunidade científica que reconhece desconhecer as razões para as variações extremas na abundância das pequenas espécies como a Sardinha. Classificado como fenómeno, a variação extrema na abundância destas espécies é uma certeza, mas está por explicar. As relações entre as condições atmosféricas e oceânicas não são claras, nem os mecanismos associados estão identificados, mas há no entanto quem não hesite em invocar a infalibilidade do modelo matemático. Só não é estranho porque é tristemente previsível. Entre nós, a pesca da Sardinha gera perto de 30 milhões de euros por ano, sendo rentável, quer-se extinta. Há muito produto de aquicultura e ultracongelado por importar!

 

A teoria do big bang-bang

Numa única visita o bobo bully americano foi peremptório e esclarecedor. Depois de um lucrativo armar das arábias, lamentar-se num muro tão diferente do que quer construir,  seguiu para estarrecer o Papa, para por fim avisar os seus aliados de que devem pagar mais pela garantia da sua defesa, avisando-os também que terá de repensar  a adesão ao acordo de Paris sobre o clima. Foi de tal forma que nem os experientes líderes europeus conseguiram esconder a sua estupefacção perante os actos e os ditos deste novo líder supremo.

Em resposta Merkel alerta que a Europa deverá deixar de olhar para os Estados Unidos como um amigo do peito em quem se ponde confiar, de quem se pode depender, serão agora mais como um velho conhecido simpático do qual esperamos que não ajude nem atrapalhe. Em arrasto inclui o Reino Unido neste reajuste relacional. Caso isto se traduza em medidas reais falamos de uma potencial revolução da militarização europeia.

Trump é um empreendedor nato, com uma forte mentalidade comercial, o seu discurso passado e presente indicia que por si os custos de intervenções militares americanas, supostamente para defender interesses internacionais ou de terceiros, devem ser partilhados por todos os beneficiados. Desta forma a agenda americana seria executada com muito menor peso na factura orçamental. Uma transição do papel de ‘polícia benevolente’ para ‘mercenário benevolente’.

Por outro lado na Europa existem dezenas de milhares de militares americanos espalhados por centenas de bases. Qualquer tipo de retaliação à nova orientação americana passaria por diminuir radicalmente a manutenção da sua presença militar em solo europeu. Desta forma seria relançada a agenda da constituição de um exército europeu unificado, de uma modernização do armamento europeu, que permitisse a independência plena não só na defesa territorial como na intervenção internacional.

A nível mundial continua o reforço de armamento por parte das grandes potências, como que se preparando para cenários de braço de ferro em que o poder de fogo das suas Forças Armadas será músculo essencial.

Mais uma vez a força parece ser a única via conhecida pelos camelos que percorrem o deserto de ideias sem nunca se cruzar com o lendário oásis verdejante que uns loucos decidiram desmilitarizar.

E assim se eterniza a guerra psicológica, a roçar o terrorista, de imposição da paz pela força das armas ao invés de inviabilizar a guerra pela ausência de armas.