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Psicologia do Cumprimento de Cenário
Lançado em 1982, o USS Vincennes (CG-49) foi um Cruzador da Classe Ticonderoga, terceiro navio da US Navy equipado com o sistema de combate Aegis. Em 1988, em plena guerra Irão-Iraque o navio foi enviado para o Golfo Pérsico, missão durante a qual se tornaria tragicamente célebre, ao despropositadamente abater um avião comercial a 3 de Julho de 1988. A aeronave, um Airbus A300 da Iran Airways, matricula EP-IBU, realizava o voo 655, com origem no aeroporto de Bandar Abbas no Irão e com 290 pessoas a bordo. Nenhum sobreviveu.
Importa explicar que o aeroporto em causa também é utilizado pelos militares iranianos. Acresce que a região era, é e será um dos pontos mais “quentes” do planeta (assim continuará enquanto o mundo se mover a petróleo), pelo que o contexto em que o navio operava era bastante hostil, logo propenso a precipitações e mal-entendidos. Como sempre acontece nestas tragédias, as nações envolvidas trocam acusações, negam responsabilidades e apresentam dados contraditórios. Qualquer entendimento, reparação de danos ou pedido de desculpa leva anos, podendo até nunca acontecer. No caso, as famílias das vítimas foram indemnizadas pelos Estado Unidos da América, os militares envolvidos foram condecorados e nunca foi apresentado nenhum pedido formal de desculpas. Para a história fica a explicação que foi dada para o sucedido – Scenario Fulfillment, em português Cumprimento de Cenário, i.e., o fenómeno psicológico que precipita a concretização das condições exaustivamente treinadas: Perante situações similares, os automatismos tomam o controlo do discernimento. Assim foi, aquilo que a guarnição e o comandante viram nos seus monitores não foi aquilo que o sofisticado sistema Aegis lhes mostrava. Reagindo ao treino que receberam, tomaram a decisão que deles se esperava.
Por vezes este tipo de fenómeno ocorre no conforto das nossas casas, quando mesmo sem todos os factos, tomamos como certo aquilo que os dados não confirmam.
UnBrexit
As relações bilaterais do Reino Unido com a Rússia remontam ao século XVI, mais precisamente a 1555, ano em que através da “Companhia Russa” foi institucionalizado o monopólio de todo o comércio anglo-russo. Reinavam Maria I do lado britânico e o Czar Ivan IV do lado russo. A monarca britânica, primogénita do segundo dos Tudor e primeiro dos protestantes – o mulherengo Henrique VIII, ficou entre os seus súbitos conhecida como Bloody Mary em virtude da sua vã, mas sangrenta, tentativa de reverter a reforma protestante iniciada pelo pai. Já o Czar de todas as Rússias, Ivan IV ficou para a história conhecido como O Terrível, cuja sagaz mas intempestiva personalidade conduziu, num momento de ira, ao assassinato do seu filho e herdeiro. Enquanto Bloody Mary governou contra o legado de seu pai, foi o próprio Ivan O Terrível que negou o legado ao seu primogénito.
Desde então, Rússia e Reino Unido têm sido tanto inimigos como aliados, conforme circunstâncias e oportunidades. Os contrastes e simetrias mantêm-se: O Reino Unido, uma democracia parlamentar cujo poder executivo é hoje liderado por uma senhora, que tal como Bloody Mary, tenta em vão remar contra a corrente, leia-se Brexit. Enfrenta enormes desafios, quer no plano doméstico, quer no plano internacional; A Rússia, uma democracia autocrática, tem hoje um novo tipo de Czar, tão sagaz como Ivan o Terrível, mas que ao contrário deste não manifesta qualquer tendência para a impulsividade. Frio e implacável como o “General Inverno”, suportado pela oligarquia da energia, tem assumido um papel cada vez mais consolidado como protagonista global.
Eis como a circunstância pode constituir uma oportunidade. Tudo quanto o Reino Unido tem em comum com a União Europeia não foi suficiente para evitar o resultado do referendo ao Brexit. Reverte-lo obrigará a uma mudança de fundo. Nada como um inimigo comum! Se o que somos não nos une, então talvez aquilo que não queremos ser o consiga!
Le Service National Universel
Na Europa dos impérios, os primeiros anos do século XX caracterizaram-se por grandes contrastes de percepção, sobretudo no que à guerra dizia respeito. As populações, esquecidas dos horrores da guerra, deslumbradas pelo progresso tecnológico, viviam confiantes e tranquilas, seguras da paz. Já os governos não. Os mais avisados, que não o nosso, lançaram-se numa corrida às armas que para história ficou conhecido como o período da Paz Armada. A Europa nada temia senão a si própria. O centro do poder económico e militar do planeta era Europeu. O resto do mundo pouco contava, a China dormia, os Estados Unidos da América firmes e convictos nas virtudes do isolacionismo e o Japão dava os primeiros passos na era moderna após a revolução Meiji. Surgido o pretexto, tudo se precipitou tal e qual a explosão sucede ao atear do rastilho. Superficial e sucinto, foi este o contexto que precedeu o primeiro conflito mecanizado da história. Mesmo quando para as populações se tornou evidente a iminência da guerra, prevaleceu a ilusão que a modernidade precipitaria um rápido desfecho, que o tumulto seria violento mas breve. Como sabemos, a realidade foi bem diferente. Tudo mudou, a Europa deixou de ser o centro político do mundo. O conflito entre os poderosos da Europa revelou-se fratricida. Todos perderam.
Pouco mais de um século volvido, eis-nos novamente confrontados com o mesmo tipo de ameaças. Populações convictas da paz assistem passivas a um novo período de paz armada patrocinado pelos seus governos. A França de Macron deu hoje um sinal claro, anunciou o regresso do serviço militar obrigatório.
Uma teoria como outra qualquer
A chuva extinguiu as chamas, mas não apagou os incêndios. Concretizada a adiada demissão, antes que a oposição pudesse (re)apontar a mira para a área da defesa, surgem boas novas à continuidade do respectivo ministro. Pelo menos assim aparenta. Bom timing ou mera coincidência? Não sabemos. As denúncias anónimas têm destas coisas, eternizam as dúvidas sobre os propósitos que lhes estão na origem. Continuamos sem saber se foi roubo, extravio ou ajuste ao inventário, mas o desfecho afigura-se apaziguador dos espíritos mais susceptíveis. Ou talvez não, talvez a ausência de um rigoroso e detalhado relato da ocorrência faça perdurar o sentimento de insegurança na sociedade lusitana. Haja por isso uma narrativa, eventualmente absurda, mas todavia tranquilizadora. Ei-la:
Certa noite de Verão, um grupo indeterminado de indivíduos de má índole deambulavam por uma das freguesias do Concelho de Vila Nova da Barquinha quando esbarraram com um rombo numa antiga e descuidada vedação. Curiosos, penetraram no perímetro e indagaram que oportunidades nele se lhes ofereciam. Alguns edifícios remotos sobressaíram no terreno e quando constataram que a porta estava trancada, concluíram ser ali que o seu prémio se escondia. Arrombada a porta e abertas algumas caixas, muito embora não reconhecendo utilidade prática ao conteúdo, decidiram levar algumas. Depois se veria que destino lhes dariam. Assim foi, a coberto da noite, motivados pelo perverso gozo do furto, optaram por a braço transportar algumas centenas de quilos. Caminharam sem rumo, ao longo de meses e aquilo que começou por ser uma aventura excitante, transformou-se numa desgastante e aborrecida rotina. O sinuoso trajecto percorrido mais não fora que um passeio em círculo. Foi então que o grupo decide pôr fim à desventura e após acesso debate, decide abandonar ali mesmo o seu fardo. Movidos pela inveja, decidem-se pela denúncia anónima, um derradeiro e soez gesto que apenas visou impedir que outros turistas colhessem o fruto do seu “trabalho”…
Parada de Montalvo
Ali tão perto da cidade do Entroncamento, o Polígono de Tancos é igualmente pródigo em fenómenos, especialmente do género militar. Há pouco mais de um século, o então ministro da guerra, General Norton de Matos classificou a instrução do tragicamente célebre CEP – Corpo Expedicionário Português como o “Milagre de Tancos”. Em apenas 3 meses, o exército português transformou jovens agricultores em aptos e combativos guerreiros. Tamanho feito foi consagrado a 22 de Julho de 1916 numa cerimónia que ficou conhecida como “A Parada de Montalvo”. Perante as mais altas individualidades do estado, bem como dos embaixadores dos países aliados, desfilaram ordenadamente as unidades de Cavalaria, Artilharia e Infantaria. Contudo, nenhuma manobra de propaganda, por mais bem orquestrada, poderia alguma vez ocultar o grau de impreparação destes 20.000 portugueses para a guerra de trincheiras onde foram lançados. Deram corpo à expressão “carne para canhão”.
Desfila hoje, em parada mediática, outro fenómeno – Foram roubadas armas ao Exército português. Foi em Tancos! Debate político e público intenso, mas pouco imaginativo. Todos debatem o tema nos mesmos termos, escrutinando apenas as questões burocráticas ou processuais, deixando as perguntas óbvias por fazer. O intenso frenesim noticioso, repleto de factos, dados e detalhes, relata-nos uma acção relâmpago, perpetrado pela calada da noite, mas quais os indícios concretos que assim foi? Qual o hiato de tempo entre o roubo e a sua detecção, alguém sabe? Data do último inventário? Terá sido um acto único ou uma prática continuada?
Talvez os inquéritos (quiçá) já em curso possam esclarecer estas dúvidas, talvez haja até quem já esteja a investigar o destino destas armas…
Crise de Julho
Um venerável ancião, senhor de vastos recursos e riquezas, muito influente junto dos seus vizinhos, foi certo dia afrontado por um pequeno estado soberano. Insignificante quando comparado com o ultrajado império, o insolente reino apoiara os terroristas que assassinaram o sucessor e herdeiro de Francisco José I, Imperador da Áustria, Rei da Hungria, da Croácia e da Boémia. A Casa dos Habsburg-Lothringen, dinastia com mais de dois séculos, vingar-se-ia da afronta. A Sérvia pagaria pela sua ousadia. Violenta e breve, a punição seria exemplar, circunscrita e regeneradora. Outra potência, o Império Alemão, dera o seu aval e incondicional apoio ao plano disciplinador. Aos sérvios foi então enviado “o mais formidável documento”, ponderado e redigido para ser inaceitável, um ultimato com um único propósito, a guerra. Aquela que seria uma contenda local, rápida e decisiva, culminou no primeiro dos conflitos militares mecanizados à escala global, a Primeira Guerra Mundial, a mais mortífera, devastadora e ruinosa até então. Um monumental exemplo de estupidez humana.
Se nas próximas semanas este exemplo com mais de um século parecer actual, não estranhe, é mera coincidência. Corre hoje, noutras e longínquas paragens, um ultimato a um pequeno reino. Insolente, terá apoiado o terrorismo, terá também afrontado uma poderosa dinastia com mais de dois séculos, também ela liderada por outro nobre ancião, rico em recursos e influência. Uma vez mais, perspectivam-se interesses locais e pontuais, negligenciando a imprevisibilidade das consequências à escala global. Esperemos que ao contrário do que afirmou Einstein, apenas o universo seja infinito e a estupidez humana encontre limite a tempo.
A teoria do big bang-bang
Numa única visita o bobo bully americano foi peremptório e esclarecedor. Depois de um lucrativo armar das arábias, lamentar-se num muro tão diferente do que quer construir, seguiu para estarrecer o Papa, para por fim avisar os seus aliados de que devem pagar mais pela garantia da sua defesa, avisando-os também que terá de repensar a adesão ao acordo de Paris sobre o clima. Foi de tal forma que nem os experientes líderes europeus conseguiram esconder a sua estupefacção perante os actos e os ditos deste novo líder supremo.
Em resposta Merkel alerta que a Europa deverá deixar de olhar para os Estados Unidos como um amigo do peito em quem se ponde confiar, de quem se pode depender, serão agora mais como um velho conhecido simpático do qual esperamos que não ajude nem atrapalhe. Em arrasto inclui o Reino Unido neste reajuste relacional. Caso isto se traduza em medidas reais falamos de uma potencial revolução da militarização europeia.
Trump é um empreendedor nato, com uma forte mentalidade comercial, o seu discurso passado e presente indicia que por si os custos de intervenções militares americanas, supostamente para defender interesses internacionais ou de terceiros, devem ser partilhados por todos os beneficiados. Desta forma a agenda americana seria executada com muito menor peso na factura orçamental. Uma transição do papel de ‘polícia benevolente’ para ‘mercenário benevolente’.
Por outro lado na Europa existem dezenas de milhares de militares americanos espalhados por centenas de bases. Qualquer tipo de retaliação à nova orientação americana passaria por diminuir radicalmente a manutenção da sua presença militar em solo europeu. Desta forma seria relançada a agenda da constituição de um exército europeu unificado, de uma modernização do armamento europeu, que permitisse a independência plena não só na defesa territorial como na intervenção internacional.
A nível mundial continua o reforço de armamento por parte das grandes potências, como que se preparando para cenários de braço de ferro em que o poder de fogo das suas Forças Armadas será músculo essencial.
Mais uma vez a força parece ser a única via conhecida pelos camelos que percorrem o deserto de ideias sem nunca se cruzar com o lendário oásis verdejante que uns loucos decidiram desmilitarizar.
E assim se eterniza a guerra psicológica, a roçar o terrorista, de imposição da paz pela força das armas ao invés de inviabilizar a guerra pela ausência de armas.
USS Pueblo
Nenhum outro navio em aço permanece no efectivo da Marinha norte-americana há tanto tempo como o USS Pueblo. Concebido como um navio de transporte para o exército norte-americano, foi construído em 1944 no Wisconsin. Esteve ao serviço do exército norte-americano até 1954 e após uma dúzia de anos de inactividade, foi adicionado ao efectivo da Marinha norte-americana em 1966. Serviu como pequeno cargueiro até 1967, ano em que foi convertido em “Navio-espião”.
Devido ao peso do equipamento instalado acima da linha de água, o navio tornou-se instável, pois a transformação fez subir o centro de gravidade em relação ao centro de flutuabilidade. O movimento oscilatório do navio tornou-se bastante perigoso, mas não foi o balanço que impediu a guarnição de abraçar novas e perigosas missões. Assim foi no início do ano seguinte, 1968, quando partiu de uma base naval americana no Japão para uma missão de espionagem junto à Coreia do Norte, procurando obter informação sobre a defesa costeira, bem como sobre a actividade da marinha soviética naquela zona. Embora ousada, a missão foi à época classificada como não tendo risco, pois nenhuma missão arriscada poderia ser aprovada pela hierarquia naquela zona. Sendo o segundo navio mais antigo da frota norte-americana, com mais de cinquenta anos de serviço, o USS Pueblo apenas esteve ao dispor da marinha norte-americana durante 652 dias (menos de dois anos!). O navio está na posse do regime Norte Coreano há quase meio século, após ter sido capturado durante a sua missão de baixo risco, a 23 de Janeiro de 1968. Nesse dia, nem mesmo a proximidade do porta-aviões USS Enterprise lhe valeu…
Estável Imutabilidade
O inquilino do número 1600 da Avenida Pensilvânia está empenhado em reconstruir a grandeza americana. Após a inicial e inconsequente euforia legislativa onde decreto após decreto marcou a agenda doméstica, procurou o palco internacional. Montou o circo. De cimeira em cimeira, o mesmo é dizer de ultimato em ultimato, restabeleceu a ordem entre os aliados. A todos exigiu obediência cega e acrítica. Protecção tem um preço, como tal nenhum questionou o regresso à acção unilateral, pelo contrário, todos se apressaram em expressar apoio.
Nem mesmo os rebeldes franco-alemães usaram a reserva moral de outros tempos. No passado exigiram provas, desta feita dão o facto como adquirido, tal qual noticiado pelas televisões. Aparentemente outra coisa não poderíamos esperar do regime sírio senão a “oferta” ao ocidente da justificação perfeita para ser atacado. Ora, faz perfeito sentido, aliás a explicação é óbvia: são estúpidos! E maus, claro.
Muito embora o alvo tenha sido atingido, a operacionalidade da base visada foi retomada poucas horas após o ataque, o que não deixa de ser coerente com a incoerência do mandante, eleito por ser diferente, mandatado para fazer o de sempre – quando em apuros, bombardeia. É lema, é modelo de actuação intrínseco ao cargo. Justificações? As de sempre, bastante simples como se querem, o bem contra o mal, normalmente longínquo e mistificado porque da clarificação não reza a estória. Aos aliados trata como focas amestradas, aos rivais com perigoso despeito e aos potenciais alvos com ameaças e bombas. A grandeza faz-se de retórica de circunstancia e muita hipocrisia.
Macaquinhos no Sótão
A “Montanha de Tariq”, um promontório calcário com mais de 400 metros de altitude cuja formação remonta ao período jurássico, foi sempre um local cobiçado. Tariq ibn Ziyad, o general berbere que no séc. VIII iniciou a conquista da península ibérica, inaugurou a fonética que lhe dá nome quando ali venceu o Visigodos e a baptizou “Jabal Ṭāriq”. Antes de Visigodos e Mouros, Gibraltar fora habitado pelos povos navegadores do Mediterrâneo da antiguidade: os Fenícios, os Cartagineses e os Romanos. Dá nome ao estreito que liga o Mar Mediterrâneo ao Oceano Atlântico e tal explica a importância estratégica de então e de hoje.
Disputada pelos povos do sul da Europa e do Norte de África, apenas foi definitivamente conquistada por cristãos no séc. XV, quando o primeiro Duque de Medina Sidónia, Juan Alonso Pérez de Guzmán submeteu a pequena península ao domínio de Henrique IV de Castela – o Impotente. O controlo espanhol foi incontestado durante dois séculos, até que Carlos II de Espanha morreu sem deixar herdeiro ao trono. O seu prematuro desaparecimento lançou a Europa naquela que ficou conhecida pela Guerra da Sucessão Espanhola, um conflito entre primos pela coroa espanhola, (mais) uma questão dos Habsburg. Contudo, Carlos II seria o último dos Habsburg a reinar em Espanha, tendo no leito de morte nomeado o primeiro dos Bourbon, o seu sobrinho-neto Felipe V, que era também neto do rei Sol, Luís XIV de França.
A concentração de poder e território sob alçada francesa alterou o equilíbrio de forças e gerou a Grande Aliança de todos os reinos europeus contra a casa de Bourbon. Foi precisamente numa acção concertada de britânicos e holandeses que Gibraltar foi tomada em 1704. Os britânicos tomam posse definitiva e legal do território em 1713, aquando da assinatura do tratado de Utrecht. Desde então todas as tentativas de Espanha reaver o território saíram goradas, quer militares quer diplomáticas. A resiliência britânica prevaleceu, muito embora Espanha mantenha a pretensão ao território, “O Rochedo” permanece sob domínio britânico há mais de 300 anos. Nenhum outro reino ou nação manteve controlo sob Gibraltar tanto tempo como os britânicos e muito embora o território tenha um governo próprio, funcionando como uma região autónoma, a soberania está a cargo do reino de sua majestade. No plano diplomático os britânicos mantêm um hábil equilíbrio entre retórica e factos. No plano retórico, invocam a obrigação moral para “defender o direito à autodeterminação dos gibraltinos”, sendo que estes têm respondido de forma esmagadoramente inequívoca, votando para permanecerem leais súbitos de sua majestade (98%), sendo este o facto mais relevante que suporta a diplomacia britânica. Contudo, como único território ultramarino no seio da União Europeia, os gibraltinos foram também chamados às urnas no referendo ao Brexit, optando esmagadoramente por ficar na UE (82%).
Há já alguns dias que nos vendem polémica em torno da questão de Gibraltar, mais uma acha na fogueira onde arderão os britânicos por ousarem sair da UE, mais uma pincelada no quadro de desgraça que se pretende pintar sobre a grande tragédia que o futuro guarda a quem ousa tamanho despautério. Não compro. A aparente contradição dos gibraltinos, no seu desejo de manterem a cidadania britânica e simultaneamente permanecerem na UE, nada encerra de critico ou categórico. Pode até ser um paradoxo útil pois garante o papel de guardião protector aos britânicos, qualquer que seja o desfecho das negociações sobre os termos da saída. Além disso, o factor verdadeiramente decisivo, o militar, pende clara e inequivocamente para os britânicos. A UE sem o Reino Unido é um anão militar. Fala alto, tem voz grossa, mas no fundo o mundo sabe que são só macaquinhos no sótão.