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Um sucesso arrepiante
Ainda ardia Monchique conduzia eu rumo a Viseu, agulhado pelo Mondego, ladeado de encostas áridas de tons alaranjados onde sobejam altos finos troncos calcinados e rebentos de eucaliptos militarmente alinhados numa formação que denuncia a mão humana que os ampara.
Pelo segundo ano consecutivo as chamas devoram a densa monocultura florestal humanamente desgovernada. Entre elas habitações, lugarejos, animais selvagens e animais domésticos aprisionados não libertos por aqueles que são forçados a abandonar os seus lares pelas forças de segurança.
27 mil hectares de floresta ardida, zero vidas humanas perdidas, um sucesso dizem eles.
Os especialistas em biodiversidade, as forças de prevenção e combate a fogos, o povo local, todos clamam aos governantes por mudanças na ordenação florestal do território. Estes fingem ouvir, garantem que algo será feito para melhor, mas é notório ao longo de décadas que não são as questões ambientais, logísticas e sociais os principais influenciadores nesta matéria.
Pelo que tentarei descer ao seu nível, entrar no economiquês do tema, talvez me faça sentir mais confortado com a aparente inevitabilidade do advir destas calamidades. Ao que encontrei por aqui parece que o potencial de riqueza da floresta portuguesa é de cerca de mil e trezentos milhões de euros por ano, dos quais 41% (533 milhões de euros) será relativa à parcela relacionada com uso da madeira e seus derivados (muito eucalipto nesta fatia).
O prejuízo médio anual relacionado com incêndios é da ordem dos 360 milhões de euros, no entanto nos últimos dois anos temos Pedrogão com prejuízos avaliados em mais de 500 milhões de euros e agora Monchique que se estima ser um valor muito superior. Com a agravante de que a recuperação das áreas ardidas demora anos, nos quais não existe produção nem rentabilidade e de que não são contabilizados os custos indirectos no turismo local, com a fuga dos visitantes, e no tecido laboral, inerente à ausência prolongada forçada por parte de bombeiros e população afectada.
Adicionando a isto o custo social, ambiental e ecológico chegamos praticamente a um ganho zero na manutenção deste atentado à nossa biodiversidade, deste risco constante de incêndios incontroláveis que arrasam comunidades locais.
Em análise económica e financeira o que se faz quando nos deparamos com uma actividade pouco rentável com demasiado risco associado?
Talvez seja chegada a hora de arrepiar caminho florestal, voltando ao básico, reaprendendo a apreciar e rentabilizar o que é verdadeiramente nosso.
Não me demito. Câmbio.
15 de Outubro o pior dia de incêndios do ano. Mesmo depois de tudo o que se passou no Verão parece que é possível piorar. Como? Talvez o período de campanha para as autárquicas tenha toldado o discernimento de todos invertendo-se as prioridades nas preocupações, mesmo contra indicações de especialistas que alertaram para o facto das condições climatéricas abrasadoras deverem obrigar à manutenção de um estado de prontidão e alerta máximo. O foco autárquico na manutenção das privadas Repúblicas das Bananas poderá ter tido influência na proliferação de remodeladas Repúblicas das Bananas Assadas.
Parece-me que aos decisores é um pouco indiferente a transição entre Charlie, Delta, Bravo, Alfa, Echo. O que realmente lhes é importante é o Câmbio, termo no qual se especializaram para colocar pontos finais nas conversas. Tragédia? Câmbio em transtorno. Testemunhos no terreno? Câmbio em afirmações a quente de pessoas em estado de choque ou com stress pós-traumático. Perdas humanas e materiais? Câmbio em fundos de donativos estruturais. Prevenção? Câmbio em inevitabilidade. Responsabilidade? Câmbio em inimputabilidade.
Agora consultam-se especialistas para estudar o que correu mal ao invés de serem previamente chamados a dar o seu devido contributo no planeamento e fiscalização periódica do estado de prontidão do sistema. Finalmente temos conclusões, com indiciação de culpas a nível autárquico e de organismos envolvidos na protecção civil, pelo que aguardemos a chuva de demissões voluntárias ou coercivas. Não acontecendo só pode ser macacada o que até faria sentido pois macacos gostam de banana, mesmo que esturricada.
Câmbio
Combustível Eleitoral
Para que servem eleições?
Os incêndios devastadores deste Verão demonstraram que nem todos se batem devidamente pelo bem comum, sendo responsáveis directos por más decisões, más regulações, más fiscalizações. Quer a a nível local quer a nível estatal. Para além dos cenários macabros evidentes em cobertura jornalística, um estudo da Quercus veio demonstrar que um quarto dos municípios de Portugal Continental não cumpre as suas obrigações no âmbito da Legislação de Defesa da Floresta Contra Incêndios. Há 72 municípios do Continente que não têm sequer em vigor o “Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios” obrigatório por Lei!
Por curiosidade fiz um levantamento das taxas de abstenção, somadas aos votos nulos e brancos, dos concelhos mais afectados pelos incêndios de 2017, evidenciando-se que muita da população (40% a 50%) dos concelhos de risco não está minimamente preocupada com entrega das chaves do poder. E assim contribui para o estado da sua autarquia, da nação. A fim de entenderem a gravidade da sua ausência no processo decisório, quem não se preocupa com a nomeação dos seus cuidadores talvez também não devesse esperar cuidados de terceiros quando os que ajuda a eleger por omissão falham nas suas funções.
Voltarei a este exercício no dia 2 de Outubro para perceber se nestas autárquicas o choque das chamas descontroladas, com muita culpa do poder local, terá despertado um sentimento de revolta nos cúmplices abstencionistas que os leve a revidar com a queima de quem de direito.
Afinal, a primeira coisa para que servem umas eleições é para votar.
% Abstenção + % Votos Nulos + % Votos Brancos | ||
CONCELHO | AUTÁRQUICAS 2013 | LEGISLATIVAS 2015 |
Alijó | 42% | 53% |
Anadia | 52% | 51% |
Águeda | 52% | 49% |
Arcos de Valdevez | 55% | 62% |
Arouca | 38% | 45% |
Caminha | 39% | 50% |
Castanheira de Pera | 35% | 44% |
Castelo Branco | 56% | 45% |
Figueiró dos Vinhos | 36% | 44% |
Funchal | 55% | 53% |
Góis | 36% | 44% |
Pampilhosa da Serra | 38% | 48% |
Pedrógão Grande | 42% | 48% |
Penela | 42% | 48% |
Sertã | 43% | 43% |
Vale de Cambra | 43% | 45% |
Viana do Castelo | 55% | 49% |
Vila de Rei | 34% | 35% |
Minuetto dei Ciechi
Outrora obcecada com as prementes questões financeiras da nação, a nossa comunicação social divergiu o foco para o mais mundano e sazonal tema da combustão. O panorama político em tempos de geringonça assemelha-se a um quadro de naturezas mortas. Qual “Peru Morto” de Francisco Goya, a técnica é meticulosa, as cores são quentes, mas a sua mais pura essência é triste. Talvez por isso, talvez por previsivelmente nada de significativo mudará tão cedo, a comunicação social enveredou pela busca de emoções, estejam elas onde estiverem. Agitam-se as águas. Na ausência de verdadeira oposição, a comunicação social assume-lhe o papel. Porém incendiar, noticiar rumores não confirmados tem o seu custo e se numa primeira fase pode até não se reflectir nas receitas, os danos reputacionais limitam severamente a credibilidade para exercer este salutar papel de contra poder.
A silly season não augura melhorias a este já de si enfadonho panorama, antes pelo contrário, o quadro pode até ficar bastante mais escuro.
Bem, se a analogia com as artes plásticas não resulta animadora, talvez a ironia musical nos traga alguma, eventualmente patética, alegria. Lembrei-me da encantadora obra de Luigi Boccherini, compositor e violoncelista italiano radicado em Espanha, que tal como Goya teve como patrono o infante Luís António de Borbón. Diria que todos sem excepção conhecemos pelo menos uma peça de Boccherini, quanto mais não seja porque algures no tempo aguardámos pacientemente numa qualquer fila de espera telefónica, mas julgo que a peça que melhor sintetiza a nossa actualidade é sem dúvida a “Musica notturna delle strade di Madrid”, obra apenas publicada após a morte do compositor, pois este acreditava que nunca “uma audiência fora de Espanha poderá alguma vez aspirar compreender a sua essência”. Como estava profundamente enganado! Particularmente em relação ao 3º movimento – Minuetto dei Ciechi, o minuete dos pedintes cegos…
Lamento mas não doo
O ciclo repete-se, cenário de tragédia potencial, tragédia efectiva, solidariedade catártica, reconstrução do cenário inicial.
Lamento mas desta vez não doo. À custa da minha reputação social tentarei quebrar o ciclo. Farei-me de sonso. Fingirei acreditar no sistema e nas comunicações oficiais. Confrontarei o sistema com a sua própria ilusão, exigirei dele o que é esperado.
Creio assim que a previsão meteorológica identificou o potencial problema atempadamente tendo sido executados todos os protocolos de prevenção para o que seria uma “tempestade perfeita”.
Confio plenamente que as forças no terreno estavam devidamente articuladas, dotadas de todos os meios de comunicação necessários à evacuação de populações em risco através de rotas seguras.
Fico descansado com o facto das populações em zona de alto risco receberem formação sazonal sobre o que fazer em caso de emergência catastrófica, apesar da hipótese remota desta eventualidade tendo em conta a gestão florestal preventiva e adequada.
Atribuo à ira dos deuses o infortúnio de tantas mortes num curto espaço de tempo, julgo que segundos de profanidade divina, recusando a possibilidade de que estas tenham ocorrido ao longo de horas, espaço temporal suficientemente lato para que mesmo meros humanos, capacitados e organizados, conseguissem retomar grande parte das rédeas do seu destino.
Jubilo com as garantias dadas por protecção civil e governo de que foi feito tudo o que devia ser feito, bem como de que não faltaram meios para o combate ao fogo nem faltará o apoio de todo o tipo às vítimas e lesados, recorrendo-se aos fundos de emergência nacionais e internacionais existentes para esse efeito.
Confio totalmente na retaguarda logística que deve apoiar as forças no terreno garantindo a todo o momento o fornecimento autónomo de mantimentos, bebidas e outros consumíveis de alto consumo nesta altura.
Agradeço a objectividade honesta, assertiva, transparente, do jornalismo, da comunicação das entidades oficiais, direccionadas a uma população formada num sistema educacional de excelência que a torna intelectual e emocionalmente capaz de lidar com a realidade.
E toda esta organização, todo este conhecimento técnico, todo este profissionalismo, garantido pelo simples cumprir das minhas obrigações fiscais!
Que pena tenho daqueles países que dependem exclusivamente da boa vontade, da solidariedade local e nacional. Onde os bravos se deslocam para o terreno sem saber se terão o que comer, o que beber, onde dormir durante a sua deslocação, onde não existe apoio logístico de armazenagem de raiz nem para guardar picos de donativos caóticos caso a população decida responder aos apelos sofridos. Pobres países onde grandes empresas, delapidadas por uma gestão baseada em boa vontade, esventradas de milhares de milhões de euros que acabam escorridos do orçamento do Estado, abrem apesar de tudo simpáticas contas solidárias para colar a sua marca à boa vontade do bom povo contribuidor, onde as linhas de valor acrescentado solidárias continuam a gerar valor acrescentado para terceiros, onde associações de solidariedade correm o risco de colocar em causa as sua poupanças milionárias, os seus avultados investimentos financeiros, se forem chamadas à participação de larga escala em acções beneméritas. Afectuosos países onde até a comunicação social, as entidades oficiais, baseiam o seu discurso numa condescendência branqueadora de falhas porque não se pode correr o risco de causar a revolta nas boas gentes, nas boas vontades, sobretudo quando ainda agora começou a guerra que de tanta carne para canhão vai precisar.
Felizmente estou no meu idílico Portugal. Onde o Estado, contribuintes, jornalistas cumprem o seu papel. Sei que foi difícil chegar aqui. A dado momento foi preciso o mais complicado dos tipos de afecto. O dizer não a um recorrente estender de mão. Forçando os traquinas a perceber que não podem mais depender, nem dispor, da vida, da vontade dos outros, fazê-los perceber que detêm nas suas mãos todo o poder para a mudança e definição das coisas, tal como foram mandatados em lotadas eleições. Não há construção de carácter como o choque frontal com a responsabilidade própria, com as consequências directas dos próprios actos. E pensar que tudo começou com um angustiante colectivo “Lamento mas não doo”.
Braseiro Lusitano
Ao aterrar de umas férias frescas senti-me algo desorientado ao reentrar no nosso braseiro luso. Primeiro sinto no corpo as temperaturas a roçar os 40º, depois sinto na alma as notícias recorrentes de incêndios a lavrar florestas, terras e mesmo áreas urbanas. Isto com a desresponsabilização do costume, de supostamente haver pouco a fazer preventivamente contra o binómio, mão criminosa mais força da Natureza, que em anos atípicos como o actual é demolidor e incontrolável.
Decidi investigar um pouco o tema, deparando-me com números que demonstram que, de entre os países mediterrâneos Europeus, Portugal, apesar de ser o País com menor área florestal, disputa taco a taco, ganhando em muitos anos, o título de país com maior área ardida e maior número de incêndios por ano. São números de décadas que demonstram que apesar da nossa bravura na luta de terreno temos alguma brandura no estudo, compreensão e/ou aplicação de medidas eficazes que diminuam a ocorrência de incêndios no nosso território. O problema é global, em alguns países como Brasil, Indonésia, Rússia, Austrália, Estados Unidos, Canadá, com escalas exponencialmente maiores do que a nossa. Este será um dos poucos temas onde o factor escala nos favorece. Temos um território relativamente pequeno pelo que o seu controlo e ordenação deveria apresentar-se como um desafio superável ao invés de um inferno perpétuo.
Passo a uma desconstrução sumária do cenário actual.
Os bombeiros são parte importante da nossa protecção civil há mais de 650 anos, deverão existir em Portugal aproximadamente 30 mil bombeiros dos quais aproximadamente 3 000 são profissionais, só 7% da sua actividade é relacionada com o combate a fogos, existindo para si um regime jurídico particular e uma enorme complexidade na sua organização e gestão.
Em termos de áreas ardidas a grande maioria é composta por mato e pastagens ou áreas florestais, diz-se que parte relevante são “terras abandonadas sem dono” que servem muitas vezes de acendalhas de grandes incêndios.
Quanto a meios e equipamentos foi feito este ano um investimento de mais de 70 milhões de euros, apesar das Forças Armadas fazerem parte do dispositivo de combate ao fogo a nossa Força Aérea não está capacitada para nele participar activamente com meios aéreos.
Passando por cima dos efeitos não quantificáveis de um fogo ficamos com aquilo que pode ser quantificável, os prejuízos económicos, que segundo estimativas do governo ascendem a mais de mil milhões de euros.
Continuam a existir variados interesses ocultos por parte de indústrias e sectores económicos que acabam beneficiados pela ocorrência destas calamidades.
Agora que temos aqui reunida a lenha para a fogueira é chegada a altura de pegar fogo à peça.
Relativamente aos bombeiros a situação é extremamente delicada pois são verdadeiros heróis e qualquer ‘revolução’ na sua estrutura pode ser vista como o colocar em causa do seu trabalho. É inegável o seu contributo para a sociedade, em todas as suas valências de actuação, mas realmente no enfrentar de fogos florestais de grande dimensão nota-se que falta qualquer coisa. Sejam meios, seja coordenação, seja formação, há algo que falha. É clara a prioridade de protecção a vidas, a habitações que culmina muitas vezes num deixa arder do resto. É isto que passa na cobertura mediática onde se registam com frequência queixas da população ou dos próprios bombeiros, mesmo que prontamente abafadas e justificadas como algo do calor do momento. Ser bombeiro é algo exigente em termos de tempo, do físico e de aspectos emocionais/psíquicos. Parece-me que nos dias de hoje, com o volume de ocorrências e as exigências da vida pessoal e profissional, o voluntariado puro possa causar problemas, se não ao nível do número de efectivos disponíveis pelo menos ao nível do seu estado individual de prontidão, da sua capacidade de resposta a todos os níveis em qualquer momento. Combater um fogo, com elevado grau de incerteza da situação e de risco para a integridade física do próprio bombeiro, será certamente muito diferente dos restantes 93% da sua actividade de voluntariado. Por outro lado existem as empresas empregadoras dos bombeiros voluntários potencialmente ‘lesadas’ até 1x mês por ano, já que o bombeiro tem direito a três dias dias por mês (pagos pela empresa) para exercício das suas funções e/ou formação, para além de se verem privadas dos seus trabalhadores durante o período de combate aos incêndios. Será que nos dias de hoje termos bombeiros estritamente profissionais não acabaria por ser mais vantajoso para todos os envolvidos? Isso até aparenta ser um desejo da Liga dos Bombeiros Portugueses, pelo menos para os seus efectivos desempregados que passariam a ser profissionais de uma forma encapotada. Não teria também um impacto positivo em termos da diminuição da taxa de desemprego?
Por outro lado parecer-me-ia útil ter uma unidade de bombeiros exclusivamente dedicados à prevenção e combate a incêndios que pensem, estudem e lutem contra o fogo a 100% do seu tempo. Seria nela compilada toda a experiência acumulada, a nível nacional e internacional, tornando-se progressivamente na responsável pela coordenação no terreno em qualquer ponto do país. Naturalmente teriam também uma palavra a dizer na ordenação de todo o território florestal. Basicamente poderiam ser mantidos os Corpos de Bombeiros tal como estão hoje, mas extirpar-los em termos administrativos e de gestão, da componente de prevenção e combate ao fogo. Pensar os incêndios como algo sazonal e parcial não tem funcionado de todo, apenas a existência de sapadores florestais localizados tem-se revelado insuficiente, pelo que esta seria uma medida que delegaria numa entidade competente um estado de alerta permanente.
Relativamente às terras consumidas, muito mato e árvores, com uma unidade fiscalizadora, que poderia muito bem ser a acima indicada, rapidamente seriam identificadas as terras que não estão devidamente limpas podendo agir-se em conformidade. Como fazê-lo sem acarretar grandes custos quando o dono das terras não seja conhecido ou não tenha capacidade financeira para o executar? No caso de mato e pastagens seria simples, bastaria criar equipas de pastoreio com rebanhos de caprinos e ovinos que fariam a limpeza do terreno de forma barata e eficaz para além de ainda adubarem e revolverem o solo. No caso de outros tipos de massa combustível, não consumível por rebanhos, teria de se proceder a uma limpeza via trabalho humano que teria de ser suportado pelo estado, ou autarquia, sendo que aqui não me chocaria nada recorrer a grupos de voluntários, reclusos e/ou desempregados, devidamente recompensados por forma a baixar consideravelmente os custos comparativamente à contratação de serviços a empresas.
Para protecção de habitações e das copas das árvores deveríamos apostar em investigação tecnológica para diminuir custos de investimento em equipamento capaz de retardar, ou mesmo parar, fogos em zonas de alta densidade florestal. Por exemplo a construção de torres de água de alta capacidade que realizem a captação de águas pluviais no Outono / Inverno e tenham a capacidade de realizar a sua aspersão sobre as copas das árvores quando necessário, invenção de novos tipos de descarga de água por meios aéreos que sejam mais próximos de uma chuva contínua e prolongada do que de um largar de bomba aquática altamente concentrado e mesmo destrutivo, utilização de drones ou câmaras de alta precisão instaladas em torres eólicas que sejam atraídas por focos de temperaturas extremas por forma a antecipar ao máximo o envio de alertas, dotar as casas remotas de sistema de aspersão para o exterior a partir das suas paredes e telhados para que a sua defesa deixe de ser uma preocupação constante e prioritária sobre tudo o resto, etc. Como referido no início este é um problema mundial com tendência a agravar devido às alterações climáticas, o que quer dizer que é também um nicho de negócio emergente, sobretudo devido à gravidade de fogos recentes e suas repercussões ambientais e económicas em todo o globo. Ao invés de termos vários sectores económicos a beneficiar da ocorrência de fogos criaríamos novos sectores que beneficiariam da cada vez menor ocorrência de fogos.
Quanto aos meios aéreos parece que a única coisa a voar como deve de ser são os milhões de euros… nos últimos anos são frequentes ecos mediáticos da necessidade de mais ou melhores meios aéreos de combate aos incêndios. Acho um pouco estranho o não envolvimento da Força Aérea (FA). Compreendo que em termos técnicos existam condicionantes que o impeçam, poderá ser justificável se o custo de adaptação de um aparelho de aviação militar ao combate a incêndio seja demasiado caro ou se isso lhe retira capacidade operacional do ponto de vista militar, mas será que não poderiam gerir a frota ou ao menos facultar pilotos para pilotar os meios aéreos existentes? O combate aos incêndios pode ser um teatro real para treino de pilotos da FA reduzindo ao mesmo tempo custos nos contratos com privados (que incluem a pilotagem). Facto inegável é que a gestão da frota realizada nos últimos anos, fora da FA. levou à dependência quase total de meios facultados por privados ou auxílio de terceiros, estes últimos com custos diplomáticos no futuro.
E por favor estabeleçam-se objectivos concretos que permitam acabar com a dança dos números para mascarar a ineficácia da prevenção e combate aos fogos. Não é aceitável a demagogia habitual, que se diga que o ano foi positivo porque ardeu menos área que o ano passado, porque não houve vítimas de incêndio, porque não houve danos em habitações, etc. Isto é gestão populista pois certamente existem situações em que é preferível deixar arder habitações, que se recuperam num ano, para salvar largos milhares de hectares de floresta que demoram décadas a restabelecer-se. São decisões difíceis que devem ser tomadas por especialistas na gestão de fogos e de território florestal. Portugal tem de ter um número fixo de hectares máximos definidos como perda aceitável anual, a nível regional, e tudo o que passe além disso terá de ser considerado um fracasso. Pelo menos o Algarve já definiu este indicador. Considerando 400 mil ha de área florestal os 0,8% indicados representariam 32 mil ha como marca aceitável para esta região pelo que parece que alguém está a ter sucesso nesta batalha. Transparência e informação é ao menos a obrigação de divulgar o evoluir destes números sempre que se faça a cobertura mediática do combate aos fogos.
Tudo isto custará dinheiro que terá de vir de algum lado, mas tendo em conta o volume de prejuízos acumulados ao longo dos anos rapidamente se verificará que do ponto de vista económico existirá uma poupança real se realizado maior investimento na prevenção e combate do fogo ao invés de se garantir o ressarcir de investimentos realizados.
Por fim, uma outra forma de reforçar a actuação dos governos no combate aos fogos, seria o imputar a cada país o volume de emissão de carbono gerados pelos incêndios no seu território. Este seria um indicador com impacto relevante quando todos os países têm como meta a diminuição drástica da emissão de CO2. Seria mais uma forma de trazer ao de cima uma realidade nacional que na verdade tem um efeito a nível mundial. Um incêndio não apenas emite gases tóxicos como durante um longo período reduz em muito a capacidade de absorção de CO2 por parte da flora atingida. Ou ainda acreditam que isto do aquecimento global é um mito?
Posto isto, depois de ler várias sugestões e dissertações de quem está envolvido directamente nesta guerra ao fogo, algumas das quais convergentes com ideias aqui deixadas, temo que este post não passe de mais um pouco de chover no molhado quando esta chuva de ideias deveria sim ser canalizada para a resolução do Portugal ardente. Mais do que dependência meteorológica a resolução deste problema tem dependência política pelo que a previsão não é favorável já que infelizmente a actual geringonça foi pensada para apagar outro tipo de fogos que se reacenderão assim que sejam extintas as chamas do fogo real.