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Rede Neuronal
Termina hoje em Lisboa a auto-intitulada “melhor conferência tecnológica do planeta”. A velha capital acolheu nos últimos 3 dias o chamado “mundo tecnológico”. Nada me move contra o evento, muito pelo contrário. Que venham, que usufruam, que gastem e que partam com desejo de regressar. Quantos mais melhor e desta feita foram mesmo muitos. Sem ironia ou sarcasmo, o evento proporcionará no mínimo um retorno auspicioso. Um impacto inequivocamente positivo.
Face à extensa lista de oradores e à diversidade de temas, a cobertura jornalística nunca seria fácil. Nem tão pouco é suposto a comunicação social relatar tudo quando por lá se passou, pois o evento é para quem pagou e nele participou, mas haveria sempre a necessidade de encontrar uma ideia forte para propagar. Desta feita, a escolha recaiu sobre a “Inteligência Artificial” e teve num casal de robots humanóides os protagonistas: Ela, repetente no evento mas pioneira na cidadania (é cidadã saudita imagine-se…). Ele, um clone do criador da Teoria da Relatividade. O diálogo entre ambos espantou os presentes e maravilhou a media que se apressou a anunciar uma nova era. Subitamente, da notícia ao comentário, o tema da Inteligência Artificial proliferou qual apoteótica novidade.
Apesar da rápida expansão da aplicabilidade comercial, a Inteligência Artificial está longe de ser novidade. Nem tão pouco recente! Tudo começou há muitos anos, mais concretamente em 1943, quando dois improváveis amigos, Walter Harry Pitts e Warren Sturgis McCulloch, apresentaram a primeira teoria mecanicista da mente. Hoje sabemos, também graças ao trabalho do português António Damásio, que falharam na sua intenção de explicar o funcionamento mecânico da mente humana, mas estabeleceram com o seu trabalho a primeira abordagem computacional da neurociência, o design lógico de computadores modernos e os pilares da Inteligência Artificial – o modelo McCulloch-Pitts.
Não obstante os contornos sensacionalistas de hoje, a Inteligência Artificial é septuagenária e para além disso, há muito que máquinas “estúpidas” têm vindo a assumir tarefas outrora apenas confiadas a humanos. Então, porquê a “novidade”? Bom, a ideia lançada é simples e óbvia na sua relação causa/efeito: os robots estão a ficar tão “inteligentes” que em breve nos tornaremos obsoletos e dispensáveis para o mercado laboral. Mais que debate, a ideia gera medo, o temor de em breve não ser só a baixa qualificação profissional a ser preterida. Será? Será que esse futuro é já amanhã, ou será que ao invés de as nossas máquinas serem cada vez mais “espertas”, nós é que estamos a ficar cada vez mais estúpidos, ávidos por comprar tudo que nos queiram vender?
Celebridade Instantânea
Foi durante a época do idealismo e da inocência do século passado, a década de sessenta, que o controverso rei da Pop Art vaticinou que o futuro nos reservava a fama Instantânea. Disse então que a todos nós estariam um dia reservados quinze minutos de fama. Hoje parece uma verdade de La Palice, uma evidência tão estupidamente óbvia que nem parece digna de nota, sobretudo para aqueles que já cresceram com a internet como um “bem de primeira necessidade”. Para todos os outros, para aqueles que como eu a infância foi vivida sem internet ou telemóveis, a ousadia da visão de Andy Warhol permanece sólida.
Esse futuro de então é o nosso presente, mas será uma dádiva? Tenho dúvidas: A exposição e visibilidade pública oferecida pelas redes sociais, qual sopa instantânea, é alimento parco para o intelecto. A forma como é experienciada, especialmente pelos mais novos, revela que o meio é um fim. Os critérios de sucesso são igualmente fúteis. Tipicamente o objectivo de primeira instancia é facilmente explicado pelos protagonistas, singelamente procuram mais “gostos”, mais fãs. Quando questionados sobre qual o retorno desse sucesso, a convicção de resposta esmorece, não sendo raro o silêncio. Descobri que entendem que o propósito da fama se explica por si só, é um bem em si mesmo e que por isso a dúvida não lhes assalta do espírito. Parecer é mais relevante que fazer, e embora Warhol não tenha previsto isso na sua profecia, o seu penteado permanece na moda. Ao mais alto nível…
Rocky 7
O mais recente filme da mítica saga “Rocky” conta-nos uma história para crianças, que sem surpresa, relata mais uma esquiva do nosso herói. É lendário o seu jogo de pés. Há até quem diga que pensa com os ditos, tal a rapidez com que transforma um desequilíbrio em apoio para golpear. Converte qualquer fraqueza em força. A sua combatividade é internacionalmente reconhecida. É um sábio e sapiente pugilista, nada devendo aos gigantes da modalidade.
Mesmo quem não aprecia a personagem, reconhece-lhe o mérito desportivo. Um homem de invulgar resiliência, um lutador! Não há golpe que o derrube. Há alguns anos, resistiu estoicamente a um rude (e baixo) golpe no estômago. Agora mais experiente, afirmou não se surpreender. Pudera, a experiência fez dele um pugilista de outro nível, de uma outra estirpe. Interpelado por jornalistas, explicou que a vida de desportista é mesmo assim, por vezes muito treino e sacrifício não garantem os resultados. Não obstante é necessário continuar a trabalhar, tudo mudando para que tudo fique na mesma, i.e., Lixo.
Catedral de Santa Maria
Faz hoje 69 anos que foi lançada a segunda bomba atómica. O alvo, a cidade fundada por portugueses em 1570 foi completamente arrasada pela Fat Man.
Nove de Agosto de 1945 é, e para sempre será uma data infame. Um símbolo de morte e destruição. Quase nada permaneceu de pé em Nagasaki. São famosas as imagens do Torii que resistiu à devastação, mas raras vezes é mencionada a solidez da alvenaria portuguesa. Numa época em que a displicência vigente ainda não fazia escola, obra lusa era sinônimo de qualidade e prestígio. Sem marca ou publicidade que lhe apregoem virtude, o nosso legado arquitetónico espelha apenas a nossa simplicidade, da pedra sobre pedra, do trabalho bem feito. Um “saber fazer” que no fundo, no fundo, existe em cada um de nós. Acredito que a fútil sofisticação do “economês” que sobre nós se abateu dará (um dia) lugar à nossa singela essência, não para construir impérios, mas para a eles resistir. É por isso que hoje vos recordo a Catedral de Santa Maria, por nós construída em Nagasaki, e que o mais poderoso engenho destrutivo que o homem lançou sobre o homem, não foi capaz de arrasar por completo.
Apesar de hoje a maioria permanecer calada, consentindo que a obscenidade da mentira e do roubo vençam, não duvido por um segundo que partindo daquilo que restar de pé, reconstruiremos algo de simples, como nós, mas grandioso de humanidade.