A pesca da Palmeta

A cota de pesca de palmeta no mar do norte atribuída ao Reino excede a capacidade da frota pesqueira. A traineira lusa há muito que deixou de ser referência tecnológica e/ou de ecoeficiência.

A vasta frota pesqueira do Reino de Portugal

Quanto às tripulações, quais desclassificados seres, pouco a nada haverá a dizer. Pobres analfabetos, entram a bordo em busca do pecaminoso prémio por desempenho. Já sobre o Mestre de traineira, ainda que pouco, algo haverá a dizer. É o chefe, é o líder. Sem ele, não há pesca. Nem muita nem pouca, não há! Sentado ao leme, na ponte, assume a responsabilidade de zelar pela embarcação, pelos resultados e até mesmo pela vida da tripulação.

Subindo na hierarquia, o armador, ou dono da traineira é por vezes o Mestre da sua própria embarcação. Quando assim é, está a bordo, partilha riscos e proveitos, e não vê pecado nos prémios por desempenho. Sabe que cada membro da tripulação com ele partilha risco, e por mais desclassificada a pessoa, merece o seu prémio, pois esta exposição ao inesperado é em si uma forma de empenho, um vinculo para com todos a bordo.

E quando o armador não é o Mestre e não está a bordo? Pois bem, nestes casos, a preocupação maior é a eficiência do custo. As variáveis a bordo são secundárias em relação às variáveis em terra. Significa que o custo do Gasóleo dita ajustes “inevitáveis”.

Como fazê-lo nestes casos? Investindo ou cortando?

Investir: melhorias na embarcação, visando a redução do consumo; em meios de detecção de pescado, aumentando a eficácia por dia no mar, e consequentemente reduzindo custos operacionais; na formação e melhoria de procedimentos das tripulações; Não, nenhuma é considerada. Porquê? Porque obrigam a assumir risco! A solução óbvia é cortar, e fazê-lo onde é mais fácil, ou seja, nos prémios por desempenho. Afinal a remuneração do Mestre é intocável. Já os prémios de quem partilha risco, são apetecíveis por tão fáceis de cortar.

O corte é indolor para este tipo de armador, pois ignora por completo o que significa embarcar. Quando navega, só faz por recreio e apenas em dias especialmente escolhidos para o efeito. Julga-se conhecedor de uma realidade sobre a qual não compreende (nem imagina) como está dependente da coragem, ímpeto e empenho de Mestres e tripulações. Tem ainda um aliado inesperado: a rude moral lusitana, a qual atribui um estranho valor pecaminoso ao prémio por desempenho, como se este do demónio emana-se. Ao trabalho não devemos associar desempenho, vontade ou resultados. Não, a Lusa moral diz-nos que o importante é nivelar por baixo, diz que não só não se deve premiar o desempenho, como tudo deve ser feito para proteger a abstinência e a mediocridade.

Minimiza-se o risco, cortando proveitos a quem o está preparado para assumir e partilhar o dito risco. Cumpre-se desta forma o objectivo de curto prazo, relativizando os impactos de médio ou longo prazo: quando a remuneração da Tripulação é exclusivamente dependente dos factores que esta não controla, como o preço do gasóleo, resigna-se, acomoda-se e dedica-se à fé, e não ao trabalho. Os Mestres reformam-se sem transmitir o saber, por não existir a quem transmitir.

De tanto risco conter, nenhum ficou para correr! A frota degrada-se, perde irremediavelmente a competitividade. O Armador muda de negócio…

O Bacalhau dos Pobres

A Palmeta agradece!

About Gonçalo Moura da Silva

... um homem ao Leme. "A minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas, timbales e tambores. Só me conheço como sinfonia. "

Posted on Setembro 14, 2011, in Ancora and tagged , , . Bookmark the permalink. 3 comentários.

  1. Muito bom! De facto cada vez mais esta é a realidade do país…somos todos comandados por armadores e os Mestres estão em vias de extinção. Parabéns pelo artigo!

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