O Equívoco
Piloto e cartógrafo da Casa da Índia, o navegador português João Dias de Solis fugiu para Espanha em 1506. Procurado pelo assassinato da sua mulher, não foi piegas, emigrou e consigo levou o Regimento do Astrolábio. Mudou de nome. Foi recebido de braços abertos. Detinha o desejado saber da arte de navegação. Não evitou polémicas, mas chegou a Piloto-Mor do reino de Espanha. Após uma década a leccionar, Juan Díaz de Solís comandou uma pequena frota de três navios numa expedição cartográfica à América do Sul. Em 1516, Solis foi o primeiro ocidental a contactar com os Querandis, os nativos do norte da Argentina, mas foi a sua tragédia pessoal a norte dessas paragens que o conduziu à glória póstuma. Foi-lhe atribuída a descoberta do Uruguai. Após o desembarque numa ilha situada num amplo estuário, Solis e oito dos seus homens efectuaram uma trágica incursão exploratória. Foram mortos à paulada por um bando de locais: os Charrua, nativos do actual Uruguai. Os exploradores sobreviventes regressaram a Espanha. Sem riquezas do novo mundo, apostaram no relato da barbárie dos indígenas. Mentiram quando lhes atribuíram a prática do canibalismo, pois o sensacionalismo da notícia ajudaria a camuflar o fracasso da expedição. Resultou. Ao rio chamaram “Rio Solis”. A ilha chama-se hoje “Martín García”.
Uma década depois, em 1526, chegado ao mesmo estuário, Sebastião Caboto, genovês ao serviço do reino de Espanha, atribuiu o nome de “Rio de La Plata”, pois os indígenas ostentavam vários objectos em prata. O entusiasmo inicial revelou-se infundado. Deu lugar à decepção. Rapidamente se constatou que o metal precioso fora importado, ou melhor, tomado a navegadores portugueses, que à época e à margem do tratado de Tratado de Tordesilhas, também exploravam a região.
O incumprimento de tratados e o perpétuo adiamento de metas é prática antiga entre os lusos.
A expansão colonial espanhola prosseguiria em busca de metais preciosos e de mão-de-obra barata, isto é, gratuita. No estuário do rio da prata nenhuma das duas seria encontrada. Os indígenas eram caçadores recolectores, dispersos por pequenos bandos sem hierarquia ou regras. Não forneciam alimentos aos colonos, e quando capturados recusavam-se a trabalhar para eles. A prata só existia muito mais a ocidente, nos Andes, nos territórios Incas.
O equívoco da prata daria ainda nome a um país, a Argentina, do latim Argentum, a prata.
Quase duas décadas após a morte de Solis, Pedro de Mendoza estabeleceu a primeira colónia espanhola na margem sul do estuário do rio da Prata em 1534. Fundou a cidade de “Buenos Aires”. Apesar dos bons ares que por ali se respiravam, as dificuldades mantinham-se, nomeadamente a fome. Os Querandis não colaboravam, recusando-se a fornecer qualquer ajuda aos colonos, atacando-os com paus, pedras e flechas. Explorar o novo mundo estava longe de ser vida fácil.
Em 1537, uma expedição liderada por Juan de Ayolas a montante do rio Paraná, estabelece contacto com um povo sedentário, os Guarani. Cultivavam o milho e a mandioca. Ao contrário dos Charruas e dos Querandis, eram numerosos e tinham uma sociedade hierarquizada. Muito mais relevante, a sua elite estava disposta a impor sacrifícios aos seus concidadãos, garantindo a manutenção dos seus privilégios, ou seja, Ajustaram. Foi pela primeira vez encontrada a mão-de-obra que os colonos Espanhóis necessitavam. Juan de Ayolas fundou a cidade de “Nuestra Señora de Santa María de la Asunción”, no local da actual capital do Paraguai, Assunción. Os fundadores da cidade de “Buenos Aires” mudaram-se para a nova cidade. A mão-de-obra disponível permitiria a criação de Encomiendas, a instituição económica que legalizou o Trabalho Forçado. Apesar das condições meteorológicas favoráveis, Buenos Aires é completamente abandonada em 1541. Permaneceria deserta até 1580. Tudo não passou de um equívoco.
Posted on Junho 14, 2013, in Teorias da Conspiração and tagged Economia, Impostos, Não chores por mim, Trabalho. Bookmark the permalink. 3 comentários.
Gostei e venham mais destes. Não conhecia este “de Solis”, mas 500 anos depois ainda cá moram artistas com a mesma capacidade para se venderem…
Solis foi um “Mourinho” no seu tempo. Detinha aptidão e saber. Não identifico nenhuma semelhança com os “nossos” artistas: Eles são a “elite Guarani” da actualidade.
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