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Je ne suis pas…

Não, não sou Charlie Hebdo. Desconheço até o conteúdo da publicação, dita informativa. Independentemente do seu conteúdo, julgo que não devem existir quaisquer limites à forma de expressão. Verdadeira liberdade é a escolha pessoal. Cada um de nós terá o seu limite, a sua fronteira sobre o que é ou não alvo legitimo de sátira ou de ridicularização humorística.

Conheço França francamente mal. Não visito Paris desde o século passado, mas já então era perceptível que as opções urbanísticas estavam a promover uma verdadeira bomba-relógio social. Os tumultos de 2009 não me surpreenderam de todo. Vi, e vivi, a atitude de um certo xenofobismo gaulês, mas também vi, e vivi a atitude de desafio e desprezo pelas normas por parte dos ditos magrebinos. Senti, que se por um lado são excluídos, por outro, eles próprios fazem gala dessa exclusão. São estrangeiros no local de nascença, bem como nos países de origem das suas famílias. Muitos chegaram à idade adulta sem nunca terem vivido o sentimento de pertença. Perante uma causa que os acolhe e valoriza, terão então finalmente um propósito. O objectivo não foi a “vingança do profeta” em si, mas sim o impacto que o “feito” tem junto de quem os acolheu. Tal como nós, não compreendem quando são instrumentalizados. Meras ferramentas de objectivos maiores, que na verdade poderão ser contrários à moral abraçada. Duvido que algum seja capturado com vida. O seu eterno silêncio interessa a todas as partes, principalmente aos promotores do seu treino militar.

Dizem-nos que é terrorismo, mas parece-me guerra. Haverá diferença? Bem, barbárie é barbárie, seja qual for o rotulo que lhe colocarmos. Então porquê o preciosismo com o rotulo a aplicar ao que se está a passar em França? É uma questão de comunicação – A guerra é mais difícil de explicar a um ocidental, enquanto o terrorismo é algo que se auto-explica: São fanáticos, são loucos e basta. A diferença, a intolerância, o desprezo pela nossa liberdade são alguns dos adornos e adendas ao conceito de extremismo, ele próprio generoso na abrangência, mas por isso mesmo desprovido de precisão. Dá para tudo, mas nunca para qualificar nenhuma das acções ocidentais no mundo, recentes ou antigas. Extremismo é sobretudo uma questão de perspectiva.

E nós, os livres, tolerantes e equilibrados ocidentais? Não será estranha a leviandade com que abraçamos as causas digitais? Não será incómoda a facilidade com que aceitamos as explicações que nos são vendidas?

Na minha opinião, foi uma operação de guerra, idêntica às que ocorrem como rotina na Síria, Ucrânia, Colômbia ou em qualquer outro local do mundo. Com a agravante de na verdade não sabermos quem nos atacou. Qualquer objectivo de retaliação será por isso desprositado.

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Baile de Máscaras

A Mascara de Gustav_III

Em 1788, Gustav, o terceiro da Suécia não era particularmente adorado pelo seu povo. O soberano sofria de tédio. Talvez por isso se tenha empenhado tanto na promoção das artes plásticas e cénicas. Ia com frequência à Ópera. Afinal fora ele que a mandara construir – Os Despotas Esclarecidos tinham destas coisas. Chegado lá, lembrou-se de encomendar uns quantos uniformes do exercito russo da Imperatriz Yekaterina, a segunda. O pedido do soberano da Suécia não levantou suspeitas. Algum baile de mascaras, terão pensado as costureiras da Ópera Real. E foi mesmo…

Glória? O rei Gustav III queria a sua, mas estava constitucionalmente impedido de declarar guerra ofensiva. Podia apenas ordenar a mobilização militar defensiva. Talvez daí o enfado. Gustav III sonhava, cobiçava a Noruega, então parte da Dinamarca. Tentou um negócio com a Imperatriz Russa, mas esta recusou trair a sua aliança com a Dinamarca.

Gustavo-III,-Rey-de-Suecia_1777-by-Roslin

A beligerância era inevitável. Gustav decidiu tirar partido da oportunidade que a guerra entre o Império Russo e o Império Otomano lhe ofereceu. Nasceu o gabinete de gestão da divida externa. Estando os russos “entretidos” mais a sul, ordenou um ataque simulado a um posto fronteiriço na província de Puumala, na fronteira da Rússia com a Finlândia, então parte integrante da Suécia. Foi assim que suecos mascarados de russos atacaram suecos sem máscara. O baile, permitiu ao soberano sueco avançar contra o Império Russo. O resultado desta guerra não foi particularmente vantajoso para nenhuma das partes, tendo apenas retido recursos que outra forma teriam sido úteis noutros cenários. Assim se perderam 2 anos.

Assinada a paz com a Rússia, Gustav III celebrou o seu ultimo baile de mascaras na Ópera Real, a 16 de Março de 1792. Foi assassinado nessa noite às mãos dos seus súditos.

VOLTA-FACE! STOP.

Cedário

Escreveu aquilo com um calor de segredo.

Volta-Face! STOP-A apreciada guitarra

Como nos mercados, nunca saberemos se a precedência se passou com a oferta se com a procura; o certo é que o mancebo se deitava com o cabrão e se levantava com a cabra, ocupando o quarto de hora académico com as poucas orações que sabia e o puxar de orelhas à cama rebuliçada desde que o badalo repicara a derradeira.

Era olhado como um valdevinos na Academia, visto até como femeeiro! Veja o que são as más línguas.

O facto de emparelhar com aquele velho sargento-mor conhecedor da vida real, de amiudar nas melhores casas da Rua Direita, ligeira tergiversação do curso a que o propuseram, e de ter horários inconsonantes com os restantes, tinha-lhe até melhorado o vocabulário, do serrano para o universitário como se leu finalmente em ‘B’. Conhecem-se hoje até, e pretende-se demonstrativo da aplicação do académico ao falar Coimbrão, algumas propostas à inclusão na Gíria dos Estudantes, de expressões vertidas no calor dum momento, numa refrega dialética ou outro raciocínio metódico, sendo importante referir para o bom andamento do que aqui se leva em conta que, muito do que foi dito, o foi também graças à companhia do Alfredo, desde a Pampilhosa, e à abertura de espírito que davam os tintos servidos para amparo do coração quando ouvido um fado mais apelativo do sentimento. É também inegável, e por isso se confessa, que muito do que aprendeu o deve a reputadas presenças femininas de arejados pensamentos e fazeres, que alternavam entre a costura e os trabalhos domésticos.

Ora adeus!… e o resto são maldades…

Mas regressemos a Chaves e aos preparativos da quadra que se avizinha, que de ruindades está o Mundo cheio e o que nós precisamos é de paz e harmonia. É ou não é?

Os cuidados da Maria do Amparo, já se podiam sentir nos arranjos da casa. Enquanto a Senhora Dona Maria do Carmo bordava uma toalha de consoada carregada de azevinhos, prendinhas, laçarotes e meninos Jesus, ela arejava o quarto do estudante, trocava as naftalinas, escovava colarinhos, mudava cortinados, encerava o soalho e esperava ansiosamente que o seu menino, porque também o era, regressasse de tão longe para o aconchego do lar «o meu Bastiãozinho, quase doutor, vejam lá», lacrimejava a Maria do Amparo ao limpar o pó do “passepartout” de prata que lhe tinha oferecido pela comunhão solene.

O capitão, esse, bufava aos quatro ventos a impaciência da espera por um telegrama urgente «estes serviços públicos!…» precedente de Coimbra com destino ao Posto dos Correios de Chaves remetido por Sebastião Júnior para Sua Excelência Sr. Capitão Sebastião de Azinheiro Carvalho e Assumpção.

Mandava balanço! Um filho assim, quase doutor a tratar o pai com aquela pompa… assim sim, valia a pena a despesa da alta mesada, os cuidados num reforçozinho quinzenal, sim, que um homem tem as suas necessidades… e outros mimos a que não se furtava de enviar ao cuidado do Malaquias, agora sargento-mor no Aquartelamento de Sant’ana. Um camarada!

Chegada a missiva «finalmente, pôxa!…», sentou-se nos bancos fronteiriços ao posto e «ora vamos lá ver… deve ser o dia e hora da chegada», desembainhando a unha mindinha para abrir o sobrescrito, ó Sr. Capitão!, então! foi derrubado com uma frase, que o tombou redondo para cima duma senhora sentada ao seu lado que soltou um gritinho de aflição ao ver esbardalhada a corpulência castrense do Sr. Capitão. Ai Jesus!; disse. Perdeu os sentidos; viu-se.

Imediatamente se chamaram uns recoveiros que, como era perto, o pegaram em charola e processionalmente o levaram ao repouso do quarto. Que maçada; o senhor doutor já vai a caminho.

A Sra. Dona Maria do Carmo atarantada com o acontecimento segurando numa mão o copo com água açucarada e na outra um papelito orientava a Maria do Amparo que submetia aos lombos do Sr. Capitão uma almofadinha bem pensada «por môr de lhe amparar as cruzes, Sr. Capitão».

Quando o oficial veio a si, pediu recato e disse à esposa que «não se faz!, tantos cuidados desde catraio, a melhor escola, os melhores cortes no alfaiate, Coimbra… para agora, valha-me Deus, para agora me faltar ao respeito com uma só frase… não se faz…» fizesse a fineza de ler o desaforo e falta de respeito no imperativo duma frase que lhe mandava seu filho.

Dona Maria do Carmo numa solidão materna que só as progenitoras têm e só elas entendem, leu pausadamente, e sentou-se; tirou da manga o lencinho bordado onde fungou, e «coitadinho do meu menino, sempre tão precisado, quanta ternura e respeito em escrever em maiúsculas o nome do Capitão. Até no endereço, quanta consideração. Que lhe terá acontecido para estar tão desprevenido, coitadinho. Uma frase que não é um pedido mas sim, um lamento de desespero de alguém que se antevê na penúria. Ai faz-me tanta pena…»; erguendo-se a custo, requereu:

– Então quando lhe vai valer nesta aflição Sr. Capitão?

Na credência, jazia envergonhado um telegrama amarrotado, onde espreitava uma singela frase, três palavrinhas apenas, o mais que a aflição pôde gastar numa mensagem:

PAI! Mande-me dinheiro. STOP

FIN(almente)

 

Da figura: de Celestino Alves André (zona do Arco da Almedina – entrada do “Quebra Costas”) evocativa do fado [ou canção] de Coimbra. Tributo da J. de Freg. de Almedina à cidade de Coimbra. Inaugurada no dia 18 de Julho de 2013. As foto(s), que agradeço, são de Pedro Coimbra, subtraída(s) do http://devaneiosaoriente.blogspot.pt/

Nota: A apreciada guitarra não pertence aos acontecimentos nem à sua data; que se desconhece.

 

 

VOLTA-FACE! STOP.

B

(continuando-A)

O hábito que faz o monge, é um costume asseado.

Volta-Face! STOP-In Jornal ‘A Liberdade’ (Viseu), de 22 Out. de 1886, 16º Anno, Nº 829

Ao Sebastião(zinho) Júnior, acabados os estudos com assiduidade no Liceu Nacional de Chaves e pintando-se-lhe já o buço, fora dada a rara oportunidade de estudar em Coimbra; essa Lusa-Atenas onde tantos moços cursaram e donde tantos ilustres saíram enobrecendo Portugal. Frequentaria direito, sabida matéria que patrocina as rectidões necessárias ao Mundo conhecido, e tão privadas ao Mundo sentido.

Percebeu-se um bruaá… pelos lugares circundantes, não que duvidassem das capacidades financeiras do casal, nada disso!, e fora um bruaá… recatado, mas Coimbra… para onde era tão raro ir um conterrâneo, mesmo fidalgo. Tinham portanto razão para que se abrissem as bocas, mormente as mais desdentadas e titilassem as línguas. Era acontecimento para foguetório.

Que não, que era muito longe, muitas horas de caminho, que não aguentaria o latim, não tinha saúde, que queria fazer versos, que…

– Sebas-tião! Que… coisa nenhuma! Está decidido! Filho meu será doutor ou honrará as linhagens da família com uma carreira de armas. Passa pelo Albino a quem já lhe encomendei um traje nas melhores fazendas e te espera para tirar as medidas.

– Mas ó meu pai…

O capitão, lançando-lhe um dedo cominatório, comandou:

– Bastião! Sentido! Ou capa e batina, ou rancho e caserna!

– Pronto meu pai, se vossemecê assim quer… está bem, vou-me a Coimbra…

– Assim é que é Bastião! Descan-sar!…

Dona Maria do Carmo, presa a uma vida de compromissos e rendas, tremia de inquietude e já saudade. Era ao seu filho único, ao seu menino, que traçavam ali o destino e ao vê-lo assim, tão aflito e sem poder opinar, também chorou; chorou e tentou uma intercedência:

– Meu esposo, não leve a mal mas, se o Bastiãozinho não quer ir quem sabe…

– Senhora Dona Maria do Carmo; já fiz as minhas démarches. O futuro do mancebo está decidido.

Ficou-se então a Senhora Dona Maria do Carmo, humedecendo um lenço do enxoval sem sonhar que o capitão, homem avisado em deambulações de tropas e entendendo a mocidade ociosa, pedira já a um seu camarada de caserna que o apresentasse aos rapazes grados de Coimbra por forma a desvia-lo da tentação das tabernas e das sopeiras, fontes sabidas de complicações.

Assim o manda a mais antiga usança em se encontrando amigo a quem não se tolheram os cios nem, no caso, os bolores da caserna adulteraram o conhecimento das ruas circundantes. E a mãe que não se apoquentasse, pois o seu menino não assentaria praça em nenhuma república, abrenúncio!, esse regime de vícios e pouca-vergonha em que os rapazolas se faziam homens e logo regrediam, não! Estava já falado para pensão da Ermelinda, mulher de reputação e asseio conhecidos.

Idas as despedidas, os soluços da partida e passada a Pampilhosa, o estômago borboletava-lhe agora com uma saudade intensa, uma inquietação ignorada que o levava quase ao vómito «é este bambolear cadenciado que me tonteia», dizia à sacola da merenda enquanto rebuscava uns bolinhos de bacalhau que a Maria do Amparo lhe aprimorara para vencer o caminho.

A viagem, em vez de lhe alargar os horizontes não, fechava-lhe o futuro ao irredutível.

Um suspiro mais sonoro, e o cheiro das frituras, alertaram os sentidos dum camarada risonho, sabe-se hoje que do Porto, levando-o às falas e a uma espreitadela ao bornal. Fez-se amizade, repartiu-se o farnel, trocaram-se informações e; ficou Sebastiãozinho a saber que tinha ao seu lado um vizinho de quarto na Pensão e que, precisando de ajuda e explicações estaria ali ao dispor «com três anos de primeiro semestre sei as matérias de fio a pavio, meu menino…».

O conforto da companhia e o esvaziar da sacola aceleraram a viagem e fizerem voar as preocupações a tal ponto que, quando deu por si estava já no quarto, derreado pela subida exterior e interior para o quinto andar do nº_ _ das Escadas do Quebra- Costas. Pousou a mala e sentou-se olhando os telhados que desciam, até se deixar dormir.

Alfredo bateu à porta com energia no momento em que a Ermelinda chamava para o jantar. Conhecido da casa, o Portuense fazia de cicerone apontando as portas dos cómodos e segredando incontáveis que por pudor e recato não se revelam.

A sala de jantar sendo modesta, era familiar «então boas noites…» e o colega prometeu um amanhã cansativo que passaria num salto.

Obliteram-se ao sucedido dois meses de calendário, contados corridos em dias úteis e inúteis, e não serão enumerados os ah!s… caramba!s… céu!s… uis!… puxas!… shh!s…, alto lá!s… arre!s… e irra!s… Senhor me perdoe!s e outras interjeições e locuções que se foram proferindo por essa Coimbra fora e n’algumas passagens por cadeiras leccionadas. Pede-se compreensão, pela abstinência em comentários detalhados que é, em prol do bom nome de presentes e familiares, vivos ou memórias. Respeite-se a Academia e poupe-se o leitor (V.a Exa.); que estão de paciência esgotada.

E o desabotoado não era ostentação! mas sim falta jeito para pregar botões, ora essa!…

Há dois meses tropeçado na Lex Duodecim Tabularum e jamais visto à Porta Férrea, arguiram-lhe uma inadimplência e chamam-no de contumaz, coisa que o pasmou por pouco saber em latins. O apodo dera-lho um lente, que o ameaçara, mos maiorum, com a expulsão da Academia. Credo!…

Tudo na vida é um equivoco, um mal entendido; e este, era da cor do traje. Que apresentar como alegação?

Sem resposta para os telegramas hebdominários do pai, nem notas para apresentar, restavam-lhe as moedas para um pedido.

Mais a acrescentar? Sim, aproximava-se o Natal. Esse era o busílis in diebus illis.

 

Continua para “Cedário” e, Fim.

(da figura: In Jornal ‘A Liberdade’ (Viseu), de 22 Out. de 1886, 16º Anno, Nº 829)

VOLTA-FACE! STOP.

A

Bravuras que um povo olvida.

 

Volta-Face! STOP-Moncorvo e a guerra Fantástica de 1762

 

Quando o capitão chegava trepidante ao cimo do morro era como um clangor e o Zêi, como lhe chamava, parava a freima da pastorícia e antes que ele posicionasse a mão Napoleónica no colete já corria desbarretando-se «às ordens do Sr. Capitão».

Imobilizada a montada «aííí…», duma mansidão que o seu ventre dilatado aceitava sem grandes ondulações, o castrense tonitroava comandando:

– Bom dia Zêi! Então não me alinhaste as ovelhas?

Era assim Sebastião de Azinheiro Carvalho e Assumpção, terratenente, capitão de cavalaria graduado e colocado em reserva antecipada pelo regimento de Cavalaria de Estremoz, mas no activo, e nas suas quintas. Da sua esposa, melhor dizendo, que o capitão era de antiga e mui nobre família de armas, servidora do reino na Guerra Fantástica e por isso, detentora de lustrosas salvas de prata e ornamentada com vasta medalhagem (embora patinada, como adiante se assestará para registo), mas sem terras conhecidas como suas, além da Pátria.

– Não senhor, senhor capitão, são umas desordenadas!… Mesmo assobiando aos rafeiros um toque a reunir elas não alinham, não senhor…

O ardor de comando e da ordem-unida estava-lhe no sangue e vinha-lhe de seu tetravô (investiga-se ainda, por indeterminação segura de datas, se pentavô); um façanhudo alferes de infantaria que se dera, por razões de entendimento nas diversas movimentações de tropas, com um oficial vindo das Índias Orientais, um tal Robert McNamara, que, olhe, quem sabe… isto das coincidências históricas são realidades tão antigas como hoje estarmos aqui e termos tantos compatriotas de olho azul. Bem, tamanho foi o entendimento que, ao que se sabe, não foi disparado um tiro, alinhada uma alabarda nem arreado um cavalo para que a guerra efectivamente se efectivasse. Razão pela qual se pensa o seu nome não constar nos anais heroicos de tão importante conflito, mas o do estrangeiro sim!, que nós, para os nossos somos uns desagradecidos mas para os de fora são as ondas que se têm visto.

No entanto e ressalve-se, ambos combateram, se assim se pode dizer, na Guerra Fantástica, desenrolada (é o termo certo) em mais de metade do ano de Mil Setecentos e Sessenta e Dois, e bem se lhe pode chamar “fantástica”, pois só em dois casos dois, que se saiba, o povo Português ganhou uma guerra sem que se disparasse um tiro. Duzentos e doze anos depois, secundava-se a façanha.

Seria injusto e incompleto se não se elogiasse aqui também a sua metade, que o era, não só de cara mas de alma e corpo inteiro; Senhora Dona Maria do Carmo Bentes, essa santa de famílias gradas, verdadeiro refrigério dos humores e impulsos do capitão que, ao contrário do que possa parecer pelo que se disse ou dirá, tinha um coração onde cabia o Mundo e sobejava espaço.

Pois a Senhora Dona Maria do Carmo era dos “Bentes” (você deve conhecer…) de Boticas, ali para os lados de Chaves, seu tetravô, os nossos respeitos, servira em infantaria e na mesma guerra que o avô de seu sogro (ou bisavô, é o tal alvitre), ambos participando nas movimentações Alentejanas, durante as quais, após assertivos posicionamentos e, temendo acusações de bastardia, acabou casando com a sua irmã mais nova, uma solteirona até à data. (irmã do futuro cunhado, entenda-se).

Fora um gesto bonito, e, veja como são as coisas; são portanto primos a Senhora Dona Maria do Carmo e o Sr. Capitão de Azinheiro Carvalho e Assumpção.

Era vê-lo galhardo, montado naquele cavalo inteiro dum ruço cardão, «comandando um pelotão de infantaria marchando de Chaves para a Torre de Moncorvo», lia-se na chapinha dum quadro que descansava as telas fendidas ao lado da cristaleira à mão direita quem entra na ampla sala de jantar e onde se via um outro, mais rendado e pequeno, num alinhamento que punha a jeito uma moça airosa, acenando adeuses com um lenço de saudades. Era sua tetravó, Deus haja, que se despedia.

Que quadros, que figuras, que história, quanta memória vertida aos vindouros que saberão, é uma certeza, enaltecê-la, quem sabe em versos, dando-nos o merecido épico pelos acontecimentos decorridos. Oxalá…

É nesses vindouros que uma família confia e nesta, estava depositada em Sebastião de Azinheiro Carvalho e Assumpção Júnior, primogénito, e até ver, único do casal de quem se fala, a esperança no que se espera.

 

Continua para “B” (com a licença de vosselência)

 

(sobre a figura: Moncorvo e a guerra Fantástica de 1762

In Cartografia Histórica Portuguesa – Catálogo de Manuscritos (Siglos XVII-XVIII)

Real Academia de la Historia Madrid)

Voltar às bases – TV Rural

Recentemente deu-se o buzz TV Rural. O governo levou à discussão no parlamento a sugestão de recolocar na grelha um programa sobre a Agricultura e o Mar que tanto sucesso fez durante 3 décadas entre 1960 e 1990.

Oh a ironia! TV Rural, um programa saído de cena a meio do período do Cavaquismo que governou Portugal entre 1985 e 1995, agora ressuscitado pelos seus herdeiros políticos.

Pudera tudo o que esse senhor matou na altura poder ser assim recuperado de um momento para o outro… No seu tempo acreditava que Portugal se transformaria essencialmente num País prestador de serviços, sem necessidade de produção agrícola e industrial que prontamente desmantelou. Só não esperava que os prestadores de serviços algum dia tivessem de sair em massa de Portugal para poderem exercer a servitude humilde e honrosa no estrangeiro. Como adivinhar que a grande dependência da produção externa nos pudesse um dia fragilizar ao ponto de condicionar a tomada de decisões que afectam directamente a nossa soberania e o nosso Estado?

A oposição portuguesa por tradição é uma oposição do contra procurando sempre focar-se nos aspectos negativos de medidas tomadas pelo governo, mesmo quando aparentemente positivas. Vemos assim os partidos que defenderam as vantagens da manutenção de um canal de televisão pública, para salvaguardar um meio de comunicação que não possa ser instrumentalizado, condenar o uso de influência política para pôr no ar um programa, interferindo assim na normal gestão da RTP.

Ora é exactamente esta a vantagem de ter um canal público. O de contra a lógica comercial substituir uma potencial novela, reality show ou programas da socialite por um programa útil apesar de aparentemente pouco atractivo e com fome de audiências. Apoio e digo que o simples relançamento do TV Rural é pouco. No passado o TV Rural beneficiou do facto de não existirem canais concorrentes e os jovens que acordavam cedo para ver os cartoons matinais acabavam por aprender umas coisas de forma inconsciente enquanto esperavam e viam a única coisa disponível.

Como recolocar o TV Rural no horizonte de interesse dos Portugueses e ao mesmo tempo vincar a aposta nos sectores primários da economia? Simples. Tenham a coragem de colocar nos programas escolares projectos obrigatórios de produção de hortas caseiras. Não como um mero ATL mas como uma disciplina durante um ciclo escolar completo. Através dos jovens e entusiastas alunos ensinem os pais a ganhar maior autonomia alimentar e a aliviar o orçamento familiar produzindo parte da sua alimentação.

Desta forma a prazo teremos garantido que todos os Portugueses passaram ao longo da sua vida escolar por um período de formação em actividades agrícolas que cada um escolherá, ou não, desenvolver no futuro, seja a nível profissional, seja a nível doméstico.

Ensinemos os Portugueses a sujar as mãos,  preparando-os para o colapso do período de dominância do colarinho branco no nosso mercado de trabalho.

Como sermos superiores na educação superior?

De há uns bons anos para cá o ingresso num estabelecimento público de ensino superior obriga ao pagamento de uma propina de valor variável. Em 2011 variou entre 630 € e 999 €. Não há isenções. Com um pouco de sorte podem ser atribuídas bolsas de estudo que no passado ajudavam ao pagamento de despesas de alimentação, alojamento e material de estudo mas que agora servem para ajudar no pagamento da propina.

Não é preciso pensar muito no assunto, apesar das recentes notícias  de aumento de abandonos tanto em privadas como em públicas ajudarem a fazê-lo, para perceber que o acesso à educação superior está a tornar-se progressivamente inacessível em função de classe social e capacidade financeira em detrimento do mérito. O combate ao fator cunha, ao favorecimento, à displicência não se fará certamente com este tipo de limitação na raiz da preparação dos cidadãos que vão exercer vida ativa nos cargos mais ‘altos’ da vida ativa no mercado de trabalho nacional.

Com o sistema atual famílias sem posses são forçadas a decidir se trabalham para educar o(s) filho(s), gastando a totalidade ou parte considerável dos seus subsídios de férias e de Natal caso ainda subsistam, se contraiem crédito para suportar a educação ou se simplesmente assumem a sua incapacidade em comportar as despesas. Num país em que a educação é tendencialmente gratuita esperaria-se pelo menos que o valor mínimo de propina fosse um simbólico zero.

As despesas são enormes mas o impacto na sociedade do que se passa a este nível são também críticas. No cenário atual o músculo financeiro esmaga os pobres cérebros. Não existem oportunidades iguais. Escava-se ainda mais o fosso social entre classes. Será que não seria mais benéfico para o país perder algum dinheiro e formar melhores profissionais do que manter um equilibrio orçamental precário à custa de desperdício de potencial de recursos humanos?

Algumas ideias de como trazer mais justiça e também financiamento ao sistema de ensino superior público :

  • Pagamento de propinas apenas exigido caso aluno não atinja níveis de desempenho aceitáveis. Ou seja só existe desperdício no investimento em educação nos casos em que os alunos não correspondem. Se o aluno tiver bons níveis de desempenho beneficia da regalia de isenção de propina. Forçaria desta forma um empenho contínuo dos alunos e um sentimento de recompensa por boa prestação. Em caso de chumbo um aluno só poderia inscrever-se no ano seguinte se pagasse a propina relativa ao ano findado/falhado. Na ocorrência de abandonos pelo menos teria sido dada uma oportunidade e feita uma prova de capacidade e mérito.
  • Cobrança de taxa de propina nos salários dos recém-licenciados durante os X anos seguintes à licenciatura sempre que exerça funções / cargos a que só teve acesso graças à formação que recebeu. Voluntária ou forçada. O importante é deferir o pagamento que ocorre apenas nos casos de sucesso tanto do aluno como da adequação da licenciatura ao mercado de trabalho.
  • Cobrança de taxas de recrutamento aos empregadores. Direta na contratação de recém-licenciados, com valor variável em função do valor demonstrado pelo aluno, ou indireta permitindo acesso privilegiado a CVs / Classificações dos alunos mediante ‘patrocínios’ às Universidades. A Universidade venderia o sucesso da sua formação aqueles que mais dele vão beneficiar no imediato.
  • Patrocínio de Campus Universitário. Tal como vemos bancadas PT, Coca-cola, etc, poderíamos ver edifícios com nomes de marcas em vez de as vermos sobretudo associadas às festas universitárias.
  • Trabalhos final curso incidirem sobre necessidades locais. Durante a sua formação os alunos iriam contribuir para a melhoria efetiva de aspectos da vida e sociedade do país. Há muitos projetos autárquicos e locais que não avançam por falta de verba e poderiam ser os alunos em final de curso os seus executantes desde que as necessidades fossem na sua área de formação. Não seria feito pagamento à Universidade mas existiria um retorno imediato da formação gratuita paga pelo estado.
  • Venda de Serviços de Outsourcing. Já ocorre hoje sobretudo na área de investigação. Não me agrada muito a ideia pois acaba por roubar mercado a PMEs que o poderiam fazer dinamizando o emprego real.

Os maiores activos de uma Universidade são os seus alunos que infelizmente se estão a transformar num misto de clientes de um serviço e de fontes de rendimentos, garantias da sobrevivência da instituição de ensino. A Universidade deveria sobretudo trabalhar para formar recursos humanos de excelência que tragam valor às empresas e ao país. Privilegiando o mérito, esforço e capacidade no ingresso e leccionamento independentemente de classes sociais e capacidades financeiras.

Ao mesmo tempo todo o dinheiro que não seja gasto em propinas  entraria na economia através de outras formas de consumo que incluem as despesas de alojamento, alimentação, transporte e materiais de estudo. E haveriam menos argumentos impeditivos de mobilidade na escolha da Universidade.

Ficaria mais esperançoso num futuro alicerçado na igualdade de oportunidades e na valorização do mérito mesmo que isso representasse despesa adicional no presente.

欢迎葡萄牙 – Investir na Educação para salvar o Turismo

A Europa está a bater no fundo e nem o turismo parece ser bóia de salvação em tempo de pregação da poupança. Esta dependência total da Europa é muito bonita quando o iceberg não se avista. Mas agora que encalhamos, e o sacana parece capaz de resistir até ao problema do aquecimento global, está na hora de pensar além fronteiras.

Olhando para os dados mais recentes relativos ao turismo, retirados do INE,  vemos que a grande massa turística é proveniente de Espanha, Reino Unido, França e Alemanha. Juntos representam mais de 60% das entradas e receitas do turismo.

Ora os dois primeiros já estão sob regime de austeridade, o terceiro anda um bocado aos papéis a ver se percebe se está abaixo ou acima da linha de água, e o último por uma questão de pudor e rigor não poderá tão cedo vir aproveitar-se da pobreza e austeridade que nos aconselha a impôr para os próximos tempos.

Posto isto quem tem vontade e dinheiro para nos visitar, desfrutar dos nossos recursos, sentir o nosso life style, largando uma nota simpática que permita fazer do turismo uma âncora de emprego e dividendos? Essa é a questão que pode ser a nossa salvação. Afinal Portugal representa apenas 1,5% a 2% da Quota de Turismo Mundial. É ainda daquelas raras quotas em que estamos autorizados a investir para crescer não sendo subsidiados se nada fizermos para isso!

Mais alguns números interessantes para a tomada de decisão:

  • 180 Milhões de falantes de Alemão;
  • 220 Milhões de falantes de Francês;
  • 250 Milhões de falantes de Português;
  • 500 Milhões de falantes de Espanhol;
  • 1 000 Milhões de falantes de Mandarim;
  • 500 Milhões a 1 900 Milhões de falantes de Inglês;

Portugueses somos nós, Espanhol portunhol desenrasca e nasce connosco e o Inglês é uma necessidade obrigatória já colmatada no nosso sistema de ensino. Boa, já temos uma resposta aceitável para um mercado potencial de uns milhares de milhões sem grande esforço. Valerá a pena investir no ensino de Francês e Alemão sendo que particularmente estes últimos dominam também o Inglês?

A Ásia, em particular a China, é uma potência emergente com mercado crescente e sedento de visitar a Europa. Há países mais apetecíveis que o nosso para visitar? Sim, claro. Mas recentemente visitei a Ásia e sentimo-nos completamente desorientados em zonas onde só se fala e escreve Mandarim. É difícil perceber e fazermo-nos perceber sendo até por vezes impeditivo ou limitativo da nossa mobilidade e sustentabilidade. Isto é o que sentem também os turistas desses países quando visitam a Europa sem dominar o Inglês. É por isso que viajam em grupos, com guias de carne e osso e rotas bem definidas. Não desfrutam de uma visita em verdadeira liberdade.

É aqui que podemos fazer a diferença, em 10 a 20 anos, se começarmos já a assumir o pelotão da frente. Tornemos o Mandarim uma língua de ensino obrigatório, pelo menos para estudantes na área de actividades turísticas, e traduzamos as placas públicas das principais zonas turísticas para terem orientações em Português, Inglês e Mandarim. Tornemos as nossas ruas navegáveis por orientais sem necessidade de constante acompanhamento. Vamos brindá-los com algumas conversas de ocasião na sua língua. Tornemo-nos nos perfeitos anfitriões para falantes de Mandarim e em pouco tempo seremos inundados por eles e salvos pelos seus Yuan. Por cada sorriso registado na câmara e postado numa rede social asiática com um “Uau! Eles aqui compreendem-nos! E são tão giros!”  temos milhares de novos clientes a fazer booking no próximo minuto. Dica Bónus: aproveitar as próximas décadas de regime transitório de Macau para a China, onde ainda temos uma presença marcante, para divulgar e semear a nossa recém-adquirida capacidade linguística e dizer-lhes que temos muito mais do que casinos por muito menos.

Além de que eles já são donos de parte de nós e um dia poderemos ter de saber dizer “Yes, boss!” em Mandarim. Eu já ficaria contente se num futuro risonho uma minha netinha entrasse numa qualquer loja chinesa e dissesse “Mãos no ar! Isto é um assalto!” sem correr o risco de não se fazer entender. Sempre se poupava um tiro. Sim, um futuro risonho porque é bom sinal sonhar que ainda se podem sustentar mais duas gerações.