VOLTA-FACE! STOP.
B
(continuando-A)
O hábito que faz o monge, é um costume asseado.
Ao Sebastião(zinho) Júnior, acabados os estudos com assiduidade no Liceu Nacional de Chaves e pintando-se-lhe já o buço, fora dada a rara oportunidade de estudar em Coimbra; essa Lusa-Atenas onde tantos moços cursaram e donde tantos ilustres saíram enobrecendo Portugal. Frequentaria direito, sabida matéria que patrocina as rectidões necessárias ao Mundo conhecido, e tão privadas ao Mundo sentido.
Percebeu-se um bruaá… pelos lugares circundantes, não que duvidassem das capacidades financeiras do casal, nada disso!, e fora um bruaá… recatado, mas Coimbra… para onde era tão raro ir um conterrâneo, mesmo fidalgo. Tinham portanto razão para que se abrissem as bocas, mormente as mais desdentadas e titilassem as línguas. Era acontecimento para foguetório.
Que não, que era muito longe, muitas horas de caminho, que não aguentaria o latim, não tinha saúde, que queria fazer versos, que…
– Sebas-tião! Que… coisa nenhuma! Está decidido! Filho meu será doutor ou honrará as linhagens da família com uma carreira de armas. Passa pelo Albino a quem já lhe encomendei um traje nas melhores fazendas e te espera para tirar as medidas.
– Mas ó meu pai…
O capitão, lançando-lhe um dedo cominatório, comandou:
– Bastião! Sentido! Ou capa e batina, ou rancho e caserna!
– Pronto meu pai, se vossemecê assim quer… está bem, vou-me a Coimbra…
– Assim é que é Bastião! Descan-sar!…
Dona Maria do Carmo, presa a uma vida de compromissos e rendas, tremia de inquietude e já saudade. Era ao seu filho único, ao seu menino, que traçavam ali o destino e ao vê-lo assim, tão aflito e sem poder opinar, também chorou; chorou e tentou uma intercedência:
– Meu esposo, não leve a mal mas, se o Bastiãozinho não quer ir quem sabe…
– Senhora Dona Maria do Carmo; já fiz as minhas démarches. O futuro do mancebo está decidido.
Ficou-se então a Senhora Dona Maria do Carmo, humedecendo um lenço do enxoval sem sonhar que o capitão, homem avisado em deambulações de tropas e entendendo a mocidade ociosa, pedira já a um seu camarada de caserna que o apresentasse aos rapazes grados de Coimbra por forma a desvia-lo da tentação das tabernas e das sopeiras, fontes sabidas de complicações.
Assim o manda a mais antiga usança em se encontrando amigo a quem não se tolheram os cios nem, no caso, os bolores da caserna adulteraram o conhecimento das ruas circundantes. E a mãe que não se apoquentasse, pois o seu menino não assentaria praça em nenhuma república, abrenúncio!, esse regime de vícios e pouca-vergonha em que os rapazolas se faziam homens e logo regrediam, não! Estava já falado para pensão da Ermelinda, mulher de reputação e asseio conhecidos.
Idas as despedidas, os soluços da partida e passada a Pampilhosa, o estômago borboletava-lhe agora com uma saudade intensa, uma inquietação ignorada que o levava quase ao vómito «é este bambolear cadenciado que me tonteia», dizia à sacola da merenda enquanto rebuscava uns bolinhos de bacalhau que a Maria do Amparo lhe aprimorara para vencer o caminho.
A viagem, em vez de lhe alargar os horizontes não, fechava-lhe o futuro ao irredutível.
Um suspiro mais sonoro, e o cheiro das frituras, alertaram os sentidos dum camarada risonho, sabe-se hoje que do Porto, levando-o às falas e a uma espreitadela ao bornal. Fez-se amizade, repartiu-se o farnel, trocaram-se informações e; ficou Sebastiãozinho a saber que tinha ao seu lado um vizinho de quarto na Pensão e que, precisando de ajuda e explicações estaria ali ao dispor «com três anos de primeiro semestre sei as matérias de fio a pavio, meu menino…».
O conforto da companhia e o esvaziar da sacola aceleraram a viagem e fizerem voar as preocupações a tal ponto que, quando deu por si estava já no quarto, derreado pela subida exterior e interior para o quinto andar do nº_ _ das Escadas do Quebra- Costas. Pousou a mala e sentou-se olhando os telhados que desciam, até se deixar dormir.
Alfredo bateu à porta com energia no momento em que a Ermelinda chamava para o jantar. Conhecido da casa, o Portuense fazia de cicerone apontando as portas dos cómodos e segredando incontáveis que por pudor e recato não se revelam.
A sala de jantar sendo modesta, era familiar «então boas noites…» e o colega prometeu um amanhã cansativo que passaria num salto.
Obliteram-se ao sucedido dois meses de calendário, contados corridos em dias úteis e inúteis, e não serão enumerados os ah!s… caramba!s… céu!s… uis!… puxas!… shh!s…, alto lá!s… arre!s… e irra!s… Senhor me perdoe!s e outras interjeições e locuções que se foram proferindo por essa Coimbra fora e n’algumas passagens por cadeiras leccionadas. Pede-se compreensão, pela abstinência em comentários detalhados que é, em prol do bom nome de presentes e familiares, vivos ou memórias. Respeite-se a Academia e poupe-se o leitor (V.a Exa.); que estão de paciência esgotada.
E o desabotoado não era ostentação! mas sim falta jeito para pregar botões, ora essa!…
Há dois meses tropeçado na Lex Duodecim Tabularum e jamais visto à Porta Férrea, arguiram-lhe uma inadimplência e chamam-no de contumaz, coisa que o pasmou por pouco saber em latins. O apodo dera-lho um lente, que o ameaçara, mos maiorum, com a expulsão da Academia. Credo!…
Tudo na vida é um equivoco, um mal entendido; e este, era da cor do traje. Que apresentar como alegação?
Sem resposta para os telegramas hebdominários do pai, nem notas para apresentar, restavam-lhe as moedas para um pedido.
Mais a acrescentar? Sim, aproximava-se o Natal. Esse era o busílis in diebus illis.
Continua para “Cedário” e, Fim.
(da figura: In Jornal ‘A Liberdade’ (Viseu), de 22 Out. de 1886, 16º Anno, Nº 829)
Posted on Maio 24, 2014, in Mentalidade Tuga and tagged Cidadania, Educação, Humor, Não chores por mim, Portugal. Bookmark the permalink. Deixe um comentário.
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