Compreensão da Confiança dos Mercados

Recentemente ouvi na rádio alguém ligado ao governo a malhar nos assinantes do famoso Manifesto dos 70 dizendo que emitem opinião sem ter conhecimento aprofundado sobre os problemas do país. Mais recentemente ouvi Durão Barroso em entrevista a dizer que o manifesto foi um erro crasso que veio fragilizar a posição de Portugal nos mercados.

Pus-me a pensar e realmente reconheço que conhecimento sobre a situação real é algo que não é partilhado com os portugueses. E coloquei-me no lugar de um investidor internacional. Afinal se actualmente estão com indíces de confiança no investimento da nossa dívida equiparados aos de 2009 é porque a análise puramente lógica, racional e fria dos números, nos permite tirar conclusões positivas e optimistas sobre o nosso futuro.

Sendo assim compilei aqui uma série de indicadores que espero virem a trazer algum esclarecimento sobre a lógica dos mercados face ao investimento na dívida de Portugal. Comparei a informação disponível à data das boas taxas de juro em dois períodos no tempo.

Indicador 2010/01 2014/03 Observações
Juros Dívida a 5 anos <3% <3% Revelador do mesmo nível de confiança no investimento na nossa dívida pública.
Dívida Pública em % PIB 78,8% 130% Um aumento estrondoso do nosso endividamento que nos torna mais dependentes e ‘submissos’ a credores.
Dívida Pública 132 747,3 M€ 204 252,3 M€ 51 pontos percentuais acima são +72 mil milhões de euros em dívida
População Residente 10 568 247 10 514 844 Menos 54 mil pessoas? Os mais de 200 mil emigrantes ainda contam?
População Activa 5 582 700 5 389 400 Ok, aqui está em linha com números de emigração! Bom trabalho nesta contagem!
População Empregada 5 054 100 4 978 200 Talvez fosse bom definir o que é um emprego? Só em 2013 contabilizavam-se menos 229 mil postos de trabalho.
Taxa de Desemprego 9,5% 16,3% Quase o dobro em termos oficiais. Juntando os ‘desencorajados’ e o real ainda é pior!
População Desempregada 528 600 875 900 Sem pudor podemos falar de 1 MILHÂO de desempregados!
Receita IRS 8 950,9 M€ 9 085,5 M€ Menos postos de trabalho e mais receita de IRS? O governo só pode estar a fazer qualquer coisa bem…
Número de Empresas 1 198 781 1 062 782 Por artes mágicas desapareceram mais de 135 mil empresas em quatro anos. Magia negra?
Receita IRC 4 540,3 M€ 4 280,5 M€ Uma perda de mais de 1 900 € por falência.
Emigração ??? 121 418 Sem números de 2009 é ainda mais corajoso o incentivo ao desconhecido: a emigração.
Nascimentos 99 941 89 841 Menos bocas, menos consumo, menos despesa.
Idosos
por cada 100 jovens
118 130 Calma, o corte contínuo e progressivo de pensões poderá ajudar a corrigir isto.
Despesa com
Administração Pública
83 874,4 M€ 78 243,8 M€ 5 mil milhões de euros a menos de despesas sendo que 2 mil milhões resultam dos cortes em pensões e salários da função pública.
Salário Mínimo 450 € 485 € Boa boa, uma evolução de 5 € ao ano. Quase que dá para absorver um dia do aumento dos custos em transportes, energia e bens de primeira necessidade.
Taxa Risco Pobreza
(antes de transferências sociais)
43,4% 45,4% Ok, mantemos uma certa uniformidade com quase metade da população portuguesa no limear da pobreza se não tiver qualquer apoio social.
Taxa Risco Pobreza
(após transferências sociais)
17,9% 17,9% Boa, neste indicador não andámos para trás! Graças a Deus que muitos pobres potenciais emigraram em massa!
Consumo Privado 110 546,8 M€ 111 954,7 M€ Apesar de tudo gastámos mais dinheiro! Nada como um aumento do custo de vida para polir um indicador económico.
Volume de Negócios do Retalho da SONAE em Portugal 1 132,6 M€ 3 415,0 M€ Mesmo em tempos de crise ainda há quem saiba fazer a ordenha!
Volume de Negócios do Retalho da Jerónimo Martins em Portugal 2 193,6 M€ 3 250,0 M€ A crise tem pelo menos duas boas ordenhas!

Curioso como os indicadores atenuam e mascaram por completo a realidade social vivida e sentida pela população.
Desperta-me particularmente curiosidade o facto de empresas como a SONAE e Jerónimo Martins aumentarem os lucros nas suas redes de distribuição Continente e Pingo Doce. Isto porque quem frequenta os seus espaços comerciais vê com frequência as pessoas a fazer as suas escolhas em função do preço e não da qualidade do produto. O que me leva a especular que os portugueses andam a pagar menos, para comer pior, com lucros maiores para quem aparentemente ‘facilita’ a aquisição com custo mínimo de mercado. E os seus fornecedores? Poderão gabar-se de tal aumento de volume de negócios?

Para concluir olhando para a informação, fácil e publicamente disponível, um investidor atento a pormenores poderia resumir a análise de Portugal em início de 2014 vs Portugal em início de 2010 com 3 chavões 1) o Portugal de hoje está mais endividado, 2) com menos consumo (diminuição de poder de compra e menos consumidores devido a cortes, desemprego e emigração) e 3) com um estado mais fragilizado que terá de cortar apoio social à quase metade da população que ainda se mantém no limiar da pobreza.

Se em início de 2010 com os dados disponíveis os investidores projectavam um cenário optimista, hoje com os dados em cima da mesa o cenário não pode de todo ser idêntico ao idealizado na altura. Ou seja, um investidor na divida pública Portuguesa só pode estar a borrifar-se para os indicadores sócio-económicos do nosso país. ‘Provavelmente’ existem factores externos que anulam a necessidade de valorizar estes números. Caso contrário a única explicação alternativa possível seria uma hipotética manipulação das taxas de juro, à medida das necessidades da manutenção de estabilidade de um sistema político e económico que vive no ponto de equílibrio entre o retirar a máxima rendibilidade das dificuldades de um país e o garantir da sustentabilidade do mesmo.

Será que estas variáveis podem explicar o inexplicável?

2010/01 2014/03
Próximas Eleições Europeias Junho de 2014 Junho de 2014
Peso de Portugal na Coerência da Europa Residual Crítico
Maior Responsável por Governação no último triénio Governo Português Troika
Portugal = Bandeira da Aplicação de
Fórmulas Austeras de Gestão Governamental
Não Sim

Resumindo as baixas taxas de juro nada têm a ver com a melhoria da vida em Portugal mas sim com a garantia de que a teta para estes lados pode continuar a jorrar, mesmo que com um caudal mais fraquito. “It’s all about money”, tal como comprovado pela tentativa de recompra da dívida para baixar despesas com juros futuros que ficou aquém das expectativas porque os seus detentores preferem aguardar pela colecta dos juros contratualizados à data da sua compra do que antecipar uma receita mais baixa. O seu lema?

 

“Estamos cá para ajudar(-nos)”

No Spend Update, Interest Rates, Rich People And Money

Sites e Artigos de Referência:
Juros da dívida a cinco e dez anos estreiam novos mínimos do início de 2010
Dívida pública portuguesa deve superar os 130% do PIB em 2014
Juros da dívida a cinco e dez anos estreiam novos mínimos do início de 2010
Volume de negócios da Sonae cresce 6% em 2009
Lucro da Sonae SGPS atinge 319 milhões de euros em 2013
Grupo Jerónimo Martins divulga Vendas 2009
Vendas da Jerónimo Martins deverão ter crescido 11,8% em 2013
Guia de perguntas e respostas para acompanhar os juros da dívidaHá 4,5 milhões de pobres
PORDATA

About Nuno Faria

Nascido em 1977, informático por formação, vegano por convicção, permacultor por transformação. Desde cedo que observo e escuto atentamente, remoo pensamento até por fim verbalizar a minha opinião e entendimento, integrando o que faz sentido do que é argumentado por quem de mim discorda. Não sei como aconteceu mas quando dei por mim escrevia sobre temas polémicos, tentando encontrar e percorrer o tão difícil caminho do meio, procurando fomentar o pensamento crítico, o livre-arbítrio e a abertura de coração e consciência. Partilho o que ressoa procurando encorajar e propagar a transmissão de informação pertinente e valores construtivos e compassivos.

Posted on Abril 2, 2014, in Ideias para o País, Teorias da Conspiração and tagged , , , , . Bookmark the permalink. 2 comentários.

  1. A a mão “invisível” do BCE… Não é a mutualização das dívidas soberanas, mas também não são os mercados a “funcionar livremente”.
    Mais dois ou três manifestos e os juros a 10 anos baixam para 3%…!!!!!!!

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