Revolução para um Novo Estado Corporativo
Nos 40 anos de 25 de Abril indiscutivelmente poderemos celebrar a liberdade e a democracia. Esta última existindo como uma ferramenta que não é culpada do uso inadequado que lhe é dado pelos executores da governação. Quanto a justiça e igualdade há ainda muito a fazer.
O sistema actual evidentemente está em colapso demonstrando cada vez mais ser uma fachada de interesses que procuram extrair a maior riqueza possível da sociedade e do planeta. Fizeram-no durante décadas, sem preocupação com danos colaterais, atigindo-se agora o limite do suportável em termos de sustentabilidade e tolerância. No passado a grande maioria dos estados já foram fortemente corporativos, característica comum a sistemas pouco democráticos onde ocorria a nacionalização monopolista da maioria da economia, tendo transitado para um liberalismo económico que procurava a distribuição da actividade económica sobre o maior número de indíviduos possível.
Décadas depois parece que em alguns sectores essenciais o mercantilismo está de volta. Seja no mundo, seja em Portugal. Sectores básicos da economia são dominados por empresas corporativas (nacionais ou multi-nacionais) que exploram um filão de consumidores garantidos. Todas as pessoas no mundo têm necessidade de água, energia, comer, cuidados de saúde, transportes, comunicar e ferramentas de gestão financeira. Estes são bens ou serviços essenciais à vida que devem ter um fornecimento e custo justo garantido.
Actualmente vemos o Estado a privatizar completamente vários sectores essenciais argumentando que o seu principal papel deve ser o de regulador e não de agente económico. A experiência de regulação no passado demonstra que é muito mais reactiva do preventiva tendo ocorrido sucessivos abusos em vários sectores como a banca, os combustíveis, etc, fazendo-nos por vezes passar por uma República das Bananas.
Ironicamente, com o passar do tempo, verifica-se uma concentração do peso da economia nacional num pequeno número de grupos económicos, alguns detidos por famílias poderosas. Em alguns sectores o liberalismo deu lugar a um novo mercantilismo, com dois ou três grandes players a disputar um mercado de milhões de consumidores garantidos e milhares de milhões de euros, que pode ser considerado ‘legítimo’ pois a nova posição de poder foi conquistada a pulso. Felizmente alguns deram-se ao trabalho de escavar acabando por traçar o desenho da maior parte do nosso ecossistema político-económico evidenciando a sua falta de diluição em termos de principais agentes e decisores económicos.
O que me leva a perguntar para que queremos um Estado regulador incompentente se podemos ter um Estado regulador interveniente? Nada regula melhor o mercado do que um concorrente que proporcione serviços básicos a custo justo. Esse concorrente será sempre o patamar mínimo da qualidade de serviço que só poderá ser vencido por oferta de serviço de melhor qualidade ou pelo mesmo nível de serviço a menor custo.
O Estado pode e deve ser um agente económico activo nos sectores essenciais à vida e à sociedade. Deve ter capacidade de gestão de empresas estatais, geridas como empresas privadas, não deve ter pudor em beneficiar de lucros que obtenha dessa actividade que pode aplicar em investimento ou canalizar para suprimir a despesa do Estado. Existindo uma gestão adequada, e não politizada, é quase impossível o prejuízo em sectores com consumo garantido. Para um Estado Corporativo com preocupações sociais ter empresas que não gerem lucro, ou mesmo que tenham prejuízos ligeiros, podem ser comportáveis e justificáveis, desde que devidamente compensadas com outras mais lucrativas. A sustentabilidade não deve ser vista por empresa mas sim pelo Estado Corporativo global. Alguns exemplos de bens e serviços em que o Estado deveria estar ou manter-se presente e porquê:
- Alimentação e Distribuição – pelo menos a nível da Agricultura o Estado deveria estar envolvido na dinamização e comercialização da produção nacional. Depois de aniquilados os pequenos mercados e praças locais temos hoje as grandes superfícies a praticar preços proibitivos nos chamados ‘frescos’. Pelo menos criar uma rede de atalhos locais entre produtores e consumidores iria dinamizar produção e trazer justiça à sua comercialização. Hoje as grandes superfícies são a única grande solução para escoar produtos e a não existência massiva dessa oferta noutros locais concorrenciais só ajudam a reforçar ainda mais essa realidade.
- Eléctricas – é a fonte de energia mais utilizada, é obtida a partir da exploração de recursos naturais e é um bem essencial que deveria ser garantido a quem não tenha rendimento para garantir o funcionamento de 1 TV, 1 Frigorífico e iluminação nocturna desde o pôr-do-sol às 00h;
- Petrolíferas – ainda a maior fonte energética utilizada para alimentar a locomoção de meios de transporte;
- Águas – essencial à agricultura e à vida, elemento fundamental de acções de saneamento e limpeza, obtida a partir da exploração de recursos naturais e é um bem essencial que deveria ser garantido a quem não tenha rendimento para garantir cozinhados e higiene mínima aceitável;
- Banca – ter um NIB é elemento essencial a muitas acções do quotidiano, desde a procura de emprego, pagamento ou recebimento de contas ou impostos e deveria ser garantida a existência de uma conta a custo zero a cada cidadão e sem comissões pelo menos para cidadãos com rendimento abaixo de determinado valor;
- Educação – um sistema de ensino público deve continuar a existir com a maior abragência e qualidade possível com taxas de gratuitas a um valor justo em função dos rendimentos;
- Saúde – o SNS deve continuar a existir com a maior abragência e qualidade possível com taxas de gratuitas a um valor justo em função dos rendimentos;
- Transportes – deveria existir uma rede de transportes públicos (não interessa se rodoviária, ferroviária, marítima, aérea ou mista) a garantir a ligação da maior parte possível do território com preços gratuitos a um valor justo em função dos rendimentos;
- Comunicações – garantir serviço mínimo de distribuição postal, TV, internet e telefone. O envio de correspondência, 4 canais, largura de banda de 2 Mbits e possuir telefone fixo deveriam ser uma base gratuita para os portugueses sem rendimentos e daí para frente ter custos e níveis de serviço justos. Não existe operadora que dê resposta a quem queira apenas os canais portugueses e/ou internet por exemplo. A base mínima de serviço triple pay anda sensivelmente nos 40 € / mês após período promocional da adesão. Os clientes são hoje obrigados a um tudo ou nada conformando-se com a falta de opções.
E assim teríamos um Estado regulador através da concorrência saudável que garantiria os serviços mínimos com custo justo a quem com eles se satisfaça. Uma acção de regulação passaria não por fiscalização e sugestão mas por real política comercial mais ou menos agressiva em função da tendência de preços e relação com consumidores vigente em determinado sector. Um combate aos cartéis utilizando a sua linguagem e as suas armas.
Garantido o essencial para ter uma sociedade mais justa e equalitária deixemos aos empreendedores o complementar dos serviços básicos com o criar e fornecer outros bens e serviços inovadores ou especializados. Ao longo do tempo podem ser encerradas e criadas novas empresas estatais à medida que desaparecem e surgem bens e serviços considerados essenciais.
O Estado Corporativo estaria então omnipresente na economia de primeira necessidade sem ser monopolista nem um concorrente agressivo em busca de conquista de maior fatia de mercado. Tudo isto com plena separação de poderes entre a acção governativa e a gestão empresarial destas empresas.
Um desafio para uma revolução futura?
Posted on Abril 24, 2014, in Ideias para o País. Bookmark the permalink. 1 Comentário.
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