O País do Eça de Queiróz
A gestão de oportunidades no país do Eça de Queiroz mantém os contornos da época, já na altura atrasada. Com a crise financeira, que na altura do Eça já eram traço característico deste “país paris onde me deito”, a gestão de oportunidades torna-se mais exigente. As oportunidades estão coladas aos centros de decisão. Em todos os países, os oportunistas, capitalistas, taxistas, graxistas ficam próximos dos centros de decisão, tentam influencia-los e conseguem, tentam comprá-los e frequentemente também conseguem. Ramires sabia-o! Mas esta é uma terra de oportunidades! Em países desenvolvidos, os agentes que ocupam os cargos dos centros de decisão, apesar das pressões, das influências, não esquecem por completo a sua missão, os seus objectivos, sejam eles governar uma nação, gerir uma empresa pública, gerir uma empresa privada, presidir a um banco. Sabem que terão que prestar contas. Na colisão de interesses, há o chamado pudor ou prudência. Aperfeiçoa-se lá fora a arte de negociação e da conciliação. Se, por ventura, tiver faltado a vergonha e se tornar pública, a demissão é imediata. No país do Eça de Queirós, porém, já nem é feito o esforço por mentir bem, não é dada a preocupação de se fazer uma negociação parcial nem que seja para entreter os tolos, não é feito o mínimo esforço para minorar o preço dos interesses privados quando estes se sobrepõem aos interesses públicos. Neste “país de rabichos e aldrabões”, todos os dias, o interesse público é ostensivamente passado para segundo plano. Neste nosso país, os governantes são apanhados em falso mas nem isso os demove.
Nesta relíquia de país herdada de uma tia Patrocínio, a gestão de oportunidades é algo feito com muita minúcia. A chamada cunha é precisa para tudo: para o emprego no banco do estado para a filha de um empresário que no Ribatejo que está ligado à construção das estradas, para o concurso a carreira diplomática cujo exame é conhecido pelos filhos dos diplomatas, pelo contracto ainda que precário que se segue ao estágio e só existe porque o estagiário é filho de uma pessoa ligada ao sector onde a empresa opera. A rede social não é importante, é essencial para quem deseja chegar a algum lado. Para ganhar um concurso publico numa obra pública cujo empresário é amigo íntimo do presidente da câmara, mas também para ganhar um concurso para dar formação, na função pública ou na segurança social, a desempregados ou a pessoas em desintoxicação em alguma comunidade evangélica qualquer que vive dos drogados, bêbados, da Segurança Social e da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Mas não só no sector publico. Para aceder a um cargo numa empresa privada também, para prestar um serviço a essa mesma empresa, para dar formação nessa mesma empresa. A rede social é importante e até certo modo diminui os riscos da incerteza quanto ao desempenho dessas funções. O problema é quando essa rede social funciona como a gestão de oportunidades apenas para quem tem acesso a essa rede, criando uma legião de excluídos, com mérito, mas que não têm oportunidades. Daí nasce a emigração de jovens que nem tentam arranjar emprego cá, ou de jovens que se cansaram desta dinâmica e optam por emigrar. E daí também nasce um enorme custo para a sociedade e para as próprias empresas e instituições.
A antiga directora, durante anos, de uma faculdade de economia, a Dra. Fátima Barros, não sendo por isso o Conselheiro Acácio, referiu uma vez, numa apresentação, que o mais importante que os alunos levariam da faculdade não era o conhecimento adquirido, ou seja a formação académica por excelência, mas a rede social, as pessoas que ali conheciam e que mais tarde poderiam dar jeito, porque bons são todos, mas conhecer a pessoa certa é que nem todos conhecem. Atitude talvez pedante mas certamente sincera, que merece a revolta mas que traduz fielmente parte da funcionalidade da sociedade e reproduz a atitude das escolas de gestão, sobre as quais recai também o debate sobre o que nos trouxe à crise de 2008.
O primo Basílio, “que foi o pai das minhas sensações”, é agora um grande empreendedor. Foi ter com o Ramires a Angola e são sócios em importantes investimentos. Ramires já não conta regressar à política, depois de nela ter desonrado os seus ancestrais antepassados. Pensa que mesmo com o preço do petróleo a ameaçar a economia angolana e a assustar os seus colegas empreendedores, que temem a ruína, isso será passageiro.
Luísa continua a sonhar com Basílio e com as suas conversas de alcova, sempre cheias de aventuras. E a empregada Juliana, arreliada e amargurada pela inveja e pelo cansaço de uma vida de trabalho, para ter no fundo tão pouco, continua a tratar das roupas com cheiro a amor e traição.
Posted on Maio 27, 2015, in Mentalidade Tuga. Bookmark the permalink. 1 Comentário.
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