Deambulações à Esquerda

A Comissão dinamizadora do Movimento Juntos Podemos retirou-se e parece que a coisa não acabou nada bem. O colectivo da revista Rubra seguiu-lhes as pisadas e bateu com a porta. Confesso que não fui às reuniões posteriores à assembleia e não acompanhei o desenrolar de toda uma racha que se voltou a abrir entre os movimentos sociais em Portugal. O certo é que a coisa foi tão boa ou tão má, que a polémica tem feito bater os teclados nos blogues… E eu depois de umas gargalhadas cá venho humildemente, aqui que ninguém nos lê, rabiscar umas coisas.

Tal não é coisa que se estranhe. A Comissão Dinamizadora acusa o MAS (Movimento de Alternativa Socialista) de querer dominar o movimento. O MAS e o João Labrincha (da Academia Cidadã) acusam o PCP de boicotar o Juntos Podemos. Enfim… não se percebe patavina. Entendo que não fique bem haver partidos dentro de um partido (mas o Juntos Podemos já era partido e ninguém avisou?), mas não creio que isso fosse razão de cisão. O MAS não teve grande expressão nas últimas eleições, e não vejo como de tão pequeno tenha aspirações gigantes. E também não percebo o que raio impede pessoas de um partido ajudarem à criação de um movimento. Se formos por aí, todos os movimentos socias têm partido de militantes de partidos políticos. A questão é que o MAS se precipitou a tornar pública a sua integração num movimento que agora surge. Foi ingenuidade. E creio que o MAS é constituído por pessoas que querem mesmo mudar isto, e que se enquanto partido não o conseguem fazer sozinho, juntam-se a quem quer participar dessa mudança. Já as acusações ao PCP não as entendo…

Mas talvez a quem criou o Movimento Juntos Podemos, com intenções claramente eleitorais, não ficasse bem ficar ligado a um anão político como o MAS, que faz barulho nas manifestações, que é mal comportado, mas que não tem medo de assumir o que pensa, como prisão para quem roubou e endividou o país, o regresso da moeda nacional etc… Não fica bem ficar ligado a um partido que não cede aos jogos políticos, que é pequeno e que tem tanta coisa ainda para maturar. Mas que tem uma coisa, vontade de mudar, sangue na guelra, amor para transformar e raiva para lutar. E é o que no fundo todos têm. O que eles não têm é medo da explosão e da falta de controlo. E falta-lhes alguns traços característicos dos esquerdistas. Talvez essa seja a real questão: não nasce das fileiras intelectuais, não é snob o suficiente para debater filosofia politica, não está ligado directamente ao meio académico, não participa nos blogues “bem” da esquerda, e isso torna-o menor aos olhos das corujas da esquerda.

A questão talvez seja o protagonismo e o sentimento de posse por parte de quem cria os movimentos e que os deseja controlar. O sentimento de altruísmo e desapego é importante. A tolerância (que é escassa) é essencial… e não é à mínima coisa que se começa aos berros, em acusações e insultos. E outra coisa, a esquerda em Portugal ainda tem traços de hereditariedade. Ainda fica bem e dá estatuto ser filho de comunistas perseguidos, de sindicalistas assassinados, de anarquistas resistentes e inspiradores. Muitos ainda se legitimam nessa herança de família, na cultura desde o berço da esquerda, da ditadura que não viveram mas ouviram contar na primeira pessoa. Isso é interessante, valoriza o próprio, mas não legitima os propósitos! E assim se vai limitando a orientação dos movimentos sociais, porque as pessoas que os dirigem pertencem a uma elite criada no pós 25 de Abril, e ainda que arreigada a ideais hoje assaltados, mantém-se numa posição de conforto na situação actual.

E a questão é que se tem sido muito tímido em questões de se deixar levar os movimentos sociais avante. O QSLT era altamente fechado e secreto, não se abria a novos membros e só por convite expresso é que se poderia participar nas reuniões. Quando aquilo esteve a morrer com a debandada de muitos elementos decidiram fazer umas reuniões mais abertas, mas muito a medo… Tinham por único objectivo fazer Grandes Manifestações. Nada mais. Foram bons nisso. Mas poderiam ter sido muito mais audazes, mas a audácia eles negaram quando isso lhes poderia retirar a participação popular nas ruas ou o comprometimento em determinadas questões. Senão fossem os devisionismos e os assombros da falta de controlo teríamos hoje um outro tipo de movimentos sociais, mais maduros, com mais gente, a atraírem mais pessoas e com um outro tipo de actuação. Em vez disso, a Troika não se lixou, foi-se embora pelo próprio pé e os mesmos que criaram o QSLT mudaram-se para o POT. Há sempre qualquer coisa que impede que se arrisque e se avance, então nunca se sai da zona de conforto. É confortável para muitos andarmos na eterna guerrilha entre esquerdas, divisionismos, acusações baratas… E assim tudo isto mantém a ordem actual das coisas e enquanto se discute o que divide a esquerda (que todos já estamos fartos de saber) não se discute aquilo que a une.

E sempre que os problemas dos esquerdismos aparecem eu recordo o momento em que percebi o Álvaro Cunhal:

“No papel é fácil escrever e ao microfone é fácil gritar: “chegou a hora do assalto final!” Para o assalto final, não basta escrever ou gritar. É preciso, além de condições objectivas, que exista uma força material, a força organizada, para se lançar ao assalto, ou seja, um exército político ligado às massas e as massas radicalizadas, dispostas e preparadas para a luta pelo poder, para a insurreição (…) Os radicais pequeno-burgueses são incapazes de compreender que os objectivos fundamentais da revolução não se alcançam reclamando-os, mas conquistando-os.” 

Álvaro Cunhal, «O Radicalismo Pequeno-Burguês de Fachada Socialista», 1970.

E é impossível não concordar com Cunhal nisto. E verdade seja dita já vi pessoas ligadas ao BE a tentarem dominar e conduzir acções  (até na defesa dos direitos dos animais) mas nunca vi nenhum comunista impor o seu ponto de vista.

Todavia e agora sem Joana Amaral Dias para fazer “vistassa” aos olhos de homens mais vulneráveis aos encantos femininos, o Movimentos Juntos Podemos irá continuar. Parece-me que mais do que nunca avançará determinado à luta eleitoral. Foi hoje, na Ler Devagar, a reunião de preparação para a assembleia cidadã no Porto. Não estive presente e apesar de não pretender alterar as minhas intenções de voto, mas admitindo que há uma larga maioria que não se sente representada, e dado que o movimento avançará, convido todos a estarem atentos.

Espero sinceramente que mais do que um partido, não deixem morrer um movimento que pode colher a simpatia e a mobilização social para a transformação social urgente em Portugal. Porque há muito a fazer, famílias a serem despejadas, desempregados sem esperança, trabalhadores que não se conseguem sustentar com o salário que ganham, o SNS a colapsar, a TAP a ser vendida, a PT que já foi vendida e está agora à vista o resultado da privatização, a justiça inoperante, o ensino a ser precarizado, teatros a fecharem, conservatórios sem terem como abrir no dia seguinte, os transportes a ser literalmente gozados pelo governo, a RTP idem idem… E isto em parte porque temos permitido!

About Mafalda Dias

Exerço o contraditório... Estudei economia quando o mundo estava contra a economia, optei pela sociologia quando a economia optou por se virar contra a sociedade. Gosto de provocar, de tocar no nervo, de testar o limite e a paciência dos que comigo convivem, assim sei até onde eles conseguem ir. Sou do contra, não por opção, mas porque vejo tudo do avesso, ou estarei eu do avesso. Desarrumo para voltar a arrumar. Não passei ainda a fase dos porquês e gosto de escarafunchar no porquê das coisas. Questiono, ponho tudo em causa, porque nada deve estar protegido de se questionar e reflectir, nem que seja para chegarmos à conclusão que como está é que está bem. Não sou só contras, também tenho causas, a minha causa é a causa animal, e por mais causas que acolha de modo temporário ou permanente, é dela que nunca me afasto e que sempre retorno após outras frentes. Por isso, se tiverem paciência leiam-me, se quiserem pensem comigo e partilhem as vossas ideias, debatam-nas e trilhem este caminho comigo.

Posted on Janeiro 18, 2015, in Geração "à rasca", Teorias da Conspiração. Bookmark the permalink. 1 Comentário.

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