Upgrade ao Salário Mínimo
Recentemente Belmiro de Azevedo disse “Diz-se que não se devem ter economias baseadas em mão-de-obra barata. Não sei por que não. Porque se não for a mão-de-obra barata, não há emprego para ninguém.” Deu o exemplo do sector primário /agrícola onde Portugal tem oferta excessiva de mão-de-obra logo deve ser barata. Apesar de tentado a explorar o tema de como o eucalipto Sonae procura secar as margens dos produtores, estrangulando-os ao ponto de praticamente oferecer a sua produção para a engorda dos intermediários e distribuidores, não vou entrar por aí. Vou focar-me no tema da mão-de-obra barata.
Uma mão-de-obra barata é por inerência uma mão-de-obra não qualificada. Trabalhadores pouco instruídos para executar tarefas pouco exigentes. Só que nas últimas décadas assistimos ao seguinte em Portugal:
- O salário mínimo subiu 2 939% entre 1974 (16,50 €) e 2012 (485 €);
- O investimento em Educação subiu 38 381% entre 1972 (22,3 M €) e 2010 (8 559,2 M €)
- A descida da percentagem de trabalhadores com Ensino Básico ou inferior de 91,7 % em 1985 para 63% em 2009
- O aumento da percentagem de trabalhadores a auferir o salário mínimo nacional situando-se actualmente perto dos 11% da população activa (mais de meio milhão de trabalhadores com aumento de 115% entre 2007 e 2011)
O que isto evidencia é que o país investiu fortemente na Educação e formação dos seus cidadãos sem que houvesse um acompanhamento condizente a nível de salários. Em grandes organizações, como as do senhor Belmiro de Azevedo, existem com certeza vários tipos de postos de trabalho que não necessitam de grandes habilitações para o seu desempenho. Por exemplo os ‘simples’ caixas de supermercados. A máquina faz o trabalho aritmético, aquilo é praticamente passar os produtos e ensacar.
Pergunto-me qual será o nível médio de habilitações dos caixas de supermercado?
Serão pessoas com o ensino básico? Ensino secundário? Ou mesmo ensino superior dado o estado fatal da nossa economia? Não existe uma formação específica para caixas de supermercados mas certamente que beneficiarão de contratar pessoas com qualificações muito acima do necessário para as funções. E com isso beneficiam de muitos outros aspectos tendo trabalhadores mais perspicazes e mais instruídos, com reflexo imediato na assimilação das suas tarefas, normas internas da empresa, bem como na interacção com os clientes. Arrisco-me a colocar a mão no fogo que a maioria dos caixas de supermercado são trabalhadores com qualificações muito acima do necessário. Que recebem exactamente o mesmo que as pessoas de qualificações mais baixas que estariam aptas a desempenhar aquelas funções.
Pergunto-me se faz sentido o país andar a investir para qualificar pessoas que vão executar tarefas de mão-de-obra barata e não qualificada!?
Outra vertente é o facto do salário mínimo ser cego e transversal. Num entry-level o salário mínimo de um trabalhador agrícola, sem estudos, é equivalente ao salário mínimo para um informático licenciado. Em teoria as leis do mercado iriam funcionar naturalmente e definir o salário mínimo de cada profissão. Na prática os gestores e patrões portugueses, com habilidade, conseguiram baixar radicalmente o salário de entrada de várias profissões altamente qualificadas. Hoje em dia um informático pode sair da universidade e entrar no mercado a exercer a sua actividade ganhando o mesmo que um caixa de supermercado.
Pergunto-me se faz sentido o país andar a investir para qualificar pessoas que vão exercer actividades complexas sendo tratadas como mão-de-obra barata e não qualificada?
E chego à conclusão que talvez o conceito de salário mínimo necessitasse de um upgrade. Deveria existir um salário mínimo por actividade profissional. E um suplemento mínimo adicional sempre que fosse contratado para uma actividade um trabalhador sobrequalificado.
Por exemplo digamos que para caixa de supermercado tinhamos apontada uma qualificação de Ensino Básico para o exercício de funções. O salário mínimo seria os actuais 485 €. Se o contratado tivesse o Ensino Secundário passaria a +10% e acima disso +20%.
É verdade que apesar de num nível de experiência de ofício zero à partida todos têm o mesmo potencial de evolução. Mas é inegável que a probabilidade é a de que os mais formados tenham mais sucesso e produtividade. Acertos que se realizam rapidamente em revisões salariais ou despedimento dos empregados de qualificações superiores que estão a ganhar mais mas não correspondem às expectativas.
Estas medidas tinham o único objectivo de trazer uma maior justiça ao mercado de trabalho e obrigar os empregadores a compensar o estado pelo investimento realizado na Educação. Estes empregadores são os principais beneficiados pelas maiores qualificações da população Portuguesa. Hoje em dia pelo mesmo custo conseguem contratar trabalhadores que lhes dão mais garantias e proveitos. Com estas medidas os empregadores poderiam perfeitamente limitar-se a contratar as pessoas menos qualificadas para o exercício de certas funções. Mas claro que isso traria efeitos imediatos no nível de serviço e nas necessidades acrescidas de formação e gestão. Caberia aos gestores avaliar da melhor forma a relação custo vs benefícios de cada contratação.
Ao mesmo tempo seria dado incentivo e motivção ao prolongar dos estudos porque os futuros trabalhadores saberiam que cada ciclo completado na sua formação se reflete imediatamente na sua folha salarial. Algo que hoje em dia não é de todo líquido.
E desta forma patrões como o senhor Belmiro de Azevedo e outros poderiam tomar deliberadamente, e em consciência plena, a opção de rechear as suas organizações da mão-de-obra barata em que deve ser assente uma economia forte e saudável.
O melhor de dois mundos.
Posted on Abril 2, 2013, in Ideias para o País. Bookmark the permalink. Deixe um comentário.
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