Mário só ares?
Muita água já passou debaixo da ponte desde o meu último post, lá fora temos um novo líder mundial que deixa muita gente infeliz por cumprir a todo o gás as suas promessas eleitorais, por cá Portugal fica a saber que não existem peças sobressalentes para manter a gerigonça funcional, basta um dos componentes pifar e há promessas que ficam por cumprir.
No entanto apetece-me falar de Mário Soares, julgo não ser ainda ‘demasiado cedo’ para tocar em certos temas com isso relacionado. Após a morte de Mário Soares fomos inundados por uma exurrada de peças jornalísticas que nos vendem Mário Soares como o pai da democracia, o pai da liberdade, que todos, inclusive os que o criticam agressivamente, lhe devem uma idolatração incondicional.
É inegável que foi um homem culto, inteligente, aparentemente simpático e afável, presente em vários momentos marcantes da história recente de Portugal, e como tal merece respeito e reconhecimento no momento da sua morte. Nada mais do que isso.
A verdadeira liberdade foi tomada pelos capitães de Abril que a devolveram aos surpreendidos cidadãos. Foram estes homens que tiveram a capacidade de se revoltar, organizar secretamente, executar um golpe com tal mestria que não necessitou do derrame de sangue. Sem qualquer sede de poder, apenas motivados por um sentimento de dever e de justiça social. Se a alguém devo estar agradecido pela minha liberdade é a esses senhores e aos homens que tiveram a coragem de os seguir.
Mário Soares reconheceu-o, aproveitando a janela de oportunidade que lhe foi escancarada. Granjeou os apoios necessários e instalou-se no panorama político nacional e internacional.
Segundo as reportagens solenes a Mário Soares muito devemos do desenvolvimento de Portugal e a melhoria avassaladora de todos os indicadores que definem o nível de uma sociedade. Será? Ou o ponto de partida era tão baixo e miserável que seria impossível não os melhorar de forma significativa? Sobretudo com o músculo dos apoios comunitários com uma média de entrada de 9 mil milhões de euros por dia desde 1986!
Se a Mário Soares querem atribuir a paternidade da democracia, bem como grande parte do mérito do estado do Portugal actual, talvez acabem por contribuir mais para o denegrir do que o elogiar do seu nome. O que devem as nova gerações agradecer? O sobreendividamento do país? As oligarquias amparadas e amparadoras? O estado da banca nacional? A corrupção? O desaparecimento de milhares de milhões dos fundos comunitários? Tudo isto também precisou de boas décadas de instalação e desenvolvimento. Será o custo inerente, e aceitável, ao desenvolvimento meteórico da saúde, educação, ciência e economia?
Mário Soares foi um político, um homem com pelo menos um bom olho numa altura em que a maioria da população era cega, surgiu numa altura em que foi fácil realizar coisas de encher o olho e ao mesmo tempo realizar coisas menos transparentes. Não foi de todo consensual a sua actuação, não faltando rabos de palha relacionados com o carácter, conduta e interesses pessoais e daqueles que o rodeavam.
Correndo o risco de ser ingrato confesso que não me sinto de todo impelido a um agradecimento incondicional, pelo contrário fico com a sensação de que se poderia ter feito muito mais e melhor, apesar de comparativamente ao ponto de partida se ter realmente feito muito.
Finalizando deixo uma sugestão para os meios de comunicação, quando faleça uma pessoa com importância relevante, por favor, não se desdobrem em elogios desmesurados, que sejam apenas prestadas condolências respeitosamente, pois mesmo nestes momentos têm o dever de informar e esclarecer sem contribuir para um branquear além da palidez concedida pela morte.
Posted on Fevereiro 6, 2017, in Mentalidade Tuga and tagged História, Liberdade, Soares. Bookmark the permalink. 1 Comentário.
Gostei de ler mas, quando afirma que os apoios comunitários corresponderam a uma média de entrada de 9 mil milhões de euros por dia, desde 1986, fez-me lembrar o próprio Mário Soares.