Alerta contra um futuro de vale tudo

Return MigrationApós ausência prolongada do país reconheço que ao reentrar na realidade portuguesa a sensação com que fiquei foi a de que estamos muito pior do que a percepção que temos quando vivemos continuamente neste circuito de austeridade e desesperança. Muitos foram os acontecimentos estranhos no último mês, na justiça, na educação, ainda efeitos GES, etc. Incrédulo, apercebi-me que aparentemente não existe fundo do poço, o que não é muito problemático quando também não verte um pingo de vergonha!

Em relação à actualidade, um pormenor da reforma do IRS pôs-me a ruminar sobre a sua carga positiva e/ou negativa. Algo aparentemente positivo, os vales de educação para filhos até 25 anos com benefícios fiscais para empregador e empregado.

Mais um sistema de vales, à partida com vantagens para todos. A empresa paga menos impostos, o trabalhador não tem esses vales tributados. Assim de repente ocorre-me que já existem outros tipos de vales, vales de alimentação (ou cartões pré-pagos) , vales de combustível (ou cartões com plafond) e de certa forma vales de saúde (através de sistemas de seguros de saúde). Ou seja, no seu expoente máximo uma empresa pode introduzir como variáveis no salário de um trabalhador montantes fixos consignados à despesa em sectores como a alimentação, a energia, a saúde e agora também a educação.

A empresa poupa, o trabalhador ganha mais, certo? Só que as despesas nem sempre são lineares, o que significa que quando há picos de despesa numa área o trabalhador poderá compensar com o seu capital, quando tem períodos de baixo consumo dos sectores abrangidos pelos vales fica com capital empatado pois não o pode ‘resgatar’ para outros fins. Por vezes nem sequer lhe é permitido o acumular perdendo o que não consome mensalmente.

Imagino que no futuro surjam mais vales que beneficiam ambas as partes: vales de telecomunicações, vales de entretenimento, vales de viagens, vales de roupas e acessórios, etc.

Levando a que no expoente máximo um trabalhador venha a ter na sua folha salarial uma parcela para cada um dos tipos de vales existentes.

Um belo e complexo sistema de vales que nos permite ganhar muito mais do que se apenas auferíssemos um simples salário plenamente tributável.

Temo que este seja um processo que se encontre a meio, onde somos, de forma muito subtil, condicionados e educados a distribuir a despesa de forma relativamente premeditada por sectores específicos da economia. Um conhecimento do volume de vales emitidos mensalmente permite estimar a despesa mensal em determinado sector. E desta forma afectar os nossos hábitos de consumo, forçando-nos ao consumo para esgotar o plafond uma vez que parado não rende nem pode ser utilizado para outros fins. Trabalha-se inerentemente para consumir. Os trabalhadores tornam-se meros veículos de capital em trânsito contínuo entre banca, empresas e comerciantes.

Já para não falar na complexidade acrescida à gestão contratual entre empregador e assalariado ao longo do tempo pois normalmente estas rúbricas podem ser alteradas ou eliminadas sem necessidade de consentimento prévio por parte do beneficiário. Relativamente aos vales de educação o que acontecerá automaticamente quando os filhos atingem os 25 anos? Desaparecem? São convertidos em salário bruto?

Admito que talvez esteja a ser alarmista, mais um teólogo das teorias da conspiração que alertam para a elite que pretende dominar a humanidade. Sinais de um tempo em que a política e economia do vale tudo me fazem temer que o pleno livre arbítrio no consumo talvez passe a um simples vale nada.

Who Will Rule The Consumer Cloud In 2012?

About Nuno Faria

Nascido em 1977, informático por formação, vegano por convicção, permacultor por transformação. Desde cedo que observo e escuto atentamente, remoo pensamento até por fim verbalizar a minha opinião e entendimento, integrando o que faz sentido do que é argumentado por quem de mim discorda. Não sei como aconteceu mas quando dei por mim escrevia sobre temas polémicos, tentando encontrar e percorrer o tão difícil caminho do meio, procurando fomentar o pensamento crítico, o livre-arbítrio e a abertura de coração e consciência. Partilho o que ressoa procurando encorajar e propagar a transmissão de informação pertinente e valores construtivos e compassivos.

Posted on Outubro 20, 2014, in Mentalidade Tuga, Teorias da Conspiração and tagged , , . Bookmark the permalink. 2 comentários.

  1. Consumo direccionado “graças” ao novo Monetarismo sectorial? Milagre em perfeita conformidade com o 123º artigo do tratado “porreiro pá” de Lisboa! Espectacular… E a inflação? Emitir vales não é emitir moeda. Não? Mas não é dinheiro, i.e., meio de pagamento? É pois! O sistema das Reservas Fraccionadas é uma maravilha. Dá para tudo.

  2. Rui Moura da Silva

    Uma faca de dois gumes. Por um lado é voltarmos a ter “moeda própria” alargando, assim, o campo de manobra financeiro até à desvalorização encapotada da dita “moeda”; por outro dando origem a problemas de decisão complicada como, por exemplo, a dos vales de educação que caducam por os filhos a estudar atingirem a idade limite. Uma caixa de Pandora?

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