As Europeias

Agora que já lá vai mais de uma semana e que o PS está em polvorosa, para gaudio do PSD e do CDS – que se fossem inteligentes apanhavam a boleia do chumbo do Tribunal Constitucional e demitiam-se, provocando eleições antecipadas e deixando o PS num caos – acho que é tempo para se fazer uma análise, ainda que breve, dos resultados da Eleições Europeias.

Estas eleições apresentam, essencialmente, um sinal dominante: a Europa caminha, a passos largos, para a sua própria implosão.

Hoje em dia, ultrapassadas as duas dezenas de milhões de pobres no espaço europeu, o ideal original da União Europeia está deitado por terra: uma sociedade solidária, desenvolvida, geradora de riqueza e bem-estar parece, cada vez, mais afastada. Na verdade isso não é completamente de estranhar. O ideário da construção da União Europeia – ainda quando Comunidade Económica Europeia – era um ideário de raiz democrata-cristã e social-democrata. A evolução dos últimos vinte e cinco anos – essencialmente depois do fim do bloco comunista – apontou para um ideário neo-liberal. E essa diferença é toda. Na verdade, a Europa abdicou das pessoas para apostar nos grupos económicos dominantes do sistema internacional sem compreender que sem pessoas não existe, de facto, progresso. E sem compreender que uma democracia em que as pessoas se sentem afastadas tende, a prazo, para o autoritarismo. A história mostra-nos isto vezes sem conta: nenhum sistema consegue sobreviver contra as pessoas.

Se recuarmos uns anos – eventualmente bastantes – percebemos isso perfeitamente. A Revolução Francesa de 1789 foi o resultado do ultrapassar de todos os limites que a sociedade da época permitia. A vida miserável de milhões de pessoas em França, que conviviam com um número mínimo de gente rica, lançaram as bases da República moderna e da Democracia. No entanto, a falha do novo regime em satisfazer as necessidades do Povo levou aos excessos ditatoriais que se seguiram à revolução e que se perpetuaram até Napoleão III.

A Liberal Inglaterra, democracia onde apenas uns quantos votavam e onde uma parcela larga da população vivia na mais abjecta miséria, teve que se reformar mais ou menos à força.

Os Estados Unidos, hoje a pátria do neo-liberalismo, foi em tempos a pátria da jornada das 8h, depois de uma luta dura com os operários.

Na Europa Continental as reformas, infelizmente, passaram sempre pelo recurso à força. E a incapacidade em compreender, aceitar e tentar realizar os anseios do povo levaram, por regra, às ditaduras e à guerra. A Alemanha do primeiro terço do Séc. XX é um claro exemplo disso. Como o é a corrupta Itália democrática que deu origem ao messianismo de Mussolini com as consequências que todos sabemos que teve.

Olhando para a história e para a Europa de hoje só podemos concluír pela ignorância boçal dos dirigentes europeus. Aqueles que falam sistemáticamente dos mercados sem nunca referir que os Mercados não passam de pessoas, como todos nós, que se distinguem pelas quantidades ofensivas de dinheiro que controlam e que se acham no direito de tornar reféns Estados e comunidades inteiras apenas para fazerem mais e mais dinheiro.

As eleições europeias mostraram que uma grande parte da população da Europa está tão desiludida com o projecto europeu que já nem se dá ao trabalho de votar. E que os que se dão ao trabalho de votar vão para as franjas à procura de uma salvação que não percebem não existirá aí. Isto porque as franjas, a prazo, se transformam no pior: no apagar da liberdade e das escolhas, no fechar das comunidades aos outros, na regressão económica porque o proteccionismo tem sempre como resultado o proteccionismo dos outros, tornando o mundo uma coisa menor.

E pergunto-me: o acontecerá a Portugal se o sonho europeu morrer? O que nos acontecerá se perdermos esse mercado grande que absorve a maior parte do que produzimos?

O fim da Europa de hoje significará, para nós, não apenas o incómodo de ter que voltar a andar com um passaporte no bolso e cambiarmos a nossa moeda por outra qualquer. O fim da Europa significa para nós o afundar de uma economia que não tem dimensão nem valor. Não tenhamos ilusões: numa Europa de novo com fronteiras não poderemos competir com os outros nas tecnologias porque os outros terão as deles e não deixarão entrar as nossas. Não poderemos competir com os outros na inovação porque eles terão a deles e não deixarão entrar a nossa. Não poderemos competir em quase nada porque as fronteiras deles nos estarão fechadas. Regressaremos ao país sem recursos e de solos pobres onde apenas prosperam o vinho e o azeite. Voltaremos, em grande parte, ao Portugal do Séc. XIX.

Era sobre isto que convinha pensarmos, em vez de andarmos por aí a assobiar para o lado fazendo de conta que a História não está a acontecer.

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About A.J. Ribeiro

O 'Penso, logo existo' é um mito. Todos os dias me cruzo com quem não pensa mas não deixa de existir por causa disso. A palavra 'porquê' é a mais importante do meu vocabulário. E a mais aborrecida. Não para mim mas para a maioria dos outros. Principalmente daqueles que não pensam. Não tenho causas. Ou tenho apenas a minha: a minha forma de ver o mundo, a minha forma de entender os outros, a minha forma de estar com os outros. E é assim que vivo. Na perspectiva de que o Mundo é aquilo que acho dele. Quem não gostar ... azar!

Posted on Junho 2, 2014, in Ideias para o País. Bookmark the permalink. 1 Comentário.

  1. Muito bom. Discordo apenas de um “detalhe”: Não foi a Revolução Francesa que estabeleceu as “bases da República moderna e da Democracia”, foi a Revolução Gloriosa no Reino Unido (1688/89). Não só não foi violenta, como estabeleceu as bases para a revolução industrial. É aliás um excelente exemplo da “arte” do compromisso que caracteriza os britânicos. A Revolução Gloriosa derrotou a pretensão da casa dos Stuart em restabelecer o absolutismo (ditadura do rei, sem controlo de qualquer tipo de parlamento). A maioria, incluindo as mulheres, permaneceu sem direito de voto, mas o alargamento deste direito (dever!) a mais indivíduos abriu a sociedade, torno-a mais inclusiva. Foi o início do processo de “democratização” das sociedades.Na verdade as elites britânicas souberam gerir as cedências por forma a não perderem todos os seus privilégios, enquanto as elites francesas mantiveram a soberba para além dos limites do aceitável. Foi por isso que França implodiu 101 anos depois, numa altura em que o Reino Unido prosperava, sem nunca ter destruído o seu aparelho de estado e respeitando sempre o primado da lei (algo que o nosso (des)governo obviamente não compreende, ou prefere ignorar).

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