Balanço das Presidenciais

Passado uns dias sobre as eleições presidenciais e assentado a poeira das vitórias e derrotas, vale a pena fazer um balanço mais frio.

Ao contrário de muitas opiniões penso que foi uma boa campanha e que a participação de 10 candidatos mostra uma certa vitalidade da democracia e de uma vontade de mais pessoas intervirem e mudarem os destinos da nação. Sem surpresa, infelizmente, se regista uma acentuada abstenção (50%) e a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa.

Todavia denotam-se duas questões essenciais:

  1. A promoção pessoal através da campanha eleitoral, como o caso dos candidatos Tino de Rãs, Jorge Sequeira e Cândido Ferreira;
  2. Falta de debate de ideias concretas da esmagadora maioria dos candidatos: os únicos candidatos interessados no debate de ideias e em fazerem passar ideias concretas foram Henrique Neto e Edgar Silva.

Assinala-se também o assassinato político de Maria de Belém depois de uma irritada e desesperada campanha para vencer Costa e Sampaio da Nóvoa. Maria de Belém fez uma campanha vazia, justificada numa carreira de 40 anos que gostaria que terminasse em chave de ouro, como Presidente. Mostrou-se incapaz de lidar com as criticas de Henrique Neto e Paulo Morais, respondendo irritada e justificando-se repetidamente na absoluta legalidade das suas acções. Como se a legalidade fosse justificação! Desde que seja legal está tudo bem… na lei a tourada é legal no entanto ela é uma actividade absolutamente imoral. Na lei já esteve a escravatura, a pena de morte… Na lei está a possibilidade de deputados acumularem funções com o privado, no caso da Maria de Belém, consultora no BES, ao mesmo tempo que presidia a comissão da saúde. Maria de Belém pura e simplesmente não conseguiu ultrapassar a questão, explicar o que fez no BES… aliás nem no BES nem em outro lado qualquer. Maria de Belém exaltou os cargos por onde passou mas não enumerou obra.

Todavia o golpe baixo veio de Marisa Matias, que depois de a enfrentar amigavelmente frente a frente, é num debate a 9, na sua ausência, que se lança contra as já extintas subvenções vitalícias, desesperada por um populismo que lhe rendeu votos.

Marisa Matias fez uma boa campanha, baseada em sentimentos e pensamentos em vez de ideias. Apagou mentiras, como a dada a Edgar Silva sobre a Líbia, chorou, abraçou a mãe, uma campanha baseada em pensamentos e não em ideias. O Bloco sabe que o país está carente, as pessoas estão desalentadas, então elaboraram duas campanhas em que exploram de forma extraordinária isso. Marisa e o Bloco falam da União Europeia mas não falam de como a mudar, falam do mal da economia mas não como a alterar, falam da banca mas não de como a travar. O Bloco fala da constatação dos factos, fala da necessidade de mudança mas não de transformação. Isto metido num discurso com sentimentos, lágrimas e emoções as pessoas papam. A forma pouco séria de fazer política fá-los falar e abarbatar-se a projectos lei que não são seus, a mentir desavergonhadamente em debates… É literalmente um fast food da esquerda… ainda tive esperança que com a saída da Ana Drago o eurocomunismo tivesse sido finalmente superados no Bloco, mas definitivamente que não!

O aparecimento de Sampaio da Nóvoa foi uma verdadeira lufada de ar fresco na política em Portugal, com um tipo de discurso novo, sem a concretização de grandes ideias, mas com uma visível esperança nas suas palavras e uma vontade de agregar a sociedade para a transformação. Pessoa idónea e verdadeiramente livre, é um homem independente e não um político. A sua derrota é também o fim desta nova esperança. Todavia não foi além dos consensos, do tempo novo, não conseguiu concretizar ideias.

A campanha do candidato Edgar Silva, simpática escolha do PCP, prometia mais do que aquilo que rendeu em votos. Edgar colheu a simpatia de muitos e tantos que nunca se reviram no PCP mas que se reviram naquele humanista e comunista que baseou a campanha na defesa e no cumprimento da constituição. Foi o único que defendeu a soberania nacional contra as ingerências europeias, à parte de umas pinceladas dadas por Nóvoa sobre o mesmo tema. Sabe-se no entanto que as presidenciais não são uma aposta central do PCP, marcando no entanto sempre presença com um candidato próprio.

Esta campanha foi marcada por uma maioria de candidatos de esquerda. De assinalar que Sampaio da Nóvoa serve as medidas do espectro político do Bloco de Esquerda e de forças progressistas em Portugal. Logo aqui então temos três candidatos: Edgar, Marisa e Nóvoa. Nóvoa representava então a aliança que sustenta este executivo.

Henrique Neto foi uma boa surpresa e fez uma campanha tentando debater ideias para o futuro do país. Embora nem sempre concordando com ele, reconheço-lhe o valor e a mais valia para esta campanha. A par de Edgar, foi o único que se atreveu a tal… mas isso não rende votos.

Paulo Morais realizou uma campanha à base da análises das estruturas de poder que facilitam a corrupção. Apesar de talvez ter sido mono temático, é um grande tema e constitui um desafio das democracias modernas. Só pela discussão que nos trouxe já valeu a pena esta candidatura. Foi, sem duvida nenhuma, bastante inconveniente para muitos, que ancorados nas estruturas de poder dependem das promiscuidades entre público e privado. O próprio Bloco de Esquerda sentiu-se incomodado, não fosse Paulo Morais lhes tirar os vótinhos de protesto. No debate a 9, Paulo Morais foi outro dos visados pelo populismo de Marisa Matias, que não conseguiu distinguir entre falar sobre corrupção sem ter de necessariamente lançar nomes e julgar em praça pública.

Marcelo Rebelo de Sousa, vencedor desta corrida, fez uma campanha de silêncio. Vaidoso, no final estava desesperado e até velhinhas penteou.  Todavia com Sampaio da Nóvoa mostrou o seu carácter… ou a falta dele. Não reconheceu o direito a um cidadão comum, sem filiação nem passado político, de concorrer ao mais alto cargo da nação, passando segundo palavras suas “de soldado raso a general”. Ele sente-se agora o General de toda esta Nação! Elegemos um TV Man Show.

About Mafalda Dias

Exerço o contraditório... Estudei economia quando o mundo estava contra a economia, optei pela sociologia quando a economia optou por se virar contra a sociedade. Gosto de provocar, de tocar no nervo, de testar o limite e a paciência dos que comigo convivem, assim sei até onde eles conseguem ir. Sou do contra, não por opção, mas porque vejo tudo do avesso, ou estarei eu do avesso. Desarrumo para voltar a arrumar. Não passei ainda a fase dos porquês e gosto de escarafunchar no porquê das coisas. Questiono, ponho tudo em causa, porque nada deve estar protegido de se questionar e reflectir, nem que seja para chegarmos à conclusão que como está é que está bem. Não sou só contras, também tenho causas, a minha causa é a causa animal, e por mais causas que acolha de modo temporário ou permanente, é dela que nunca me afasto e que sempre retorno após outras frentes. Por isso, se tiverem paciência leiam-me, se quiserem pensem comigo e partilhem as vossas ideias, debatam-nas e trilhem este caminho comigo.

Posted on Janeiro 28, 2016, in Escárnio e mal-dizer, Mentalidade Tuga, Programas de Televisão. Bookmark the permalink. 3 comentários.

  1. Nao tenho a mesma leitura ‘saudavel’ em relacao ao nr de candidatos…principalmente com candidaturas desesperadas ‘porque sim’ do lado do ps…e das do tipo abutre em tom ‘e porque nao?’ do be. Nao discuto ‘tinos’ nem os restantes minions. Paulo Morais faz falta mas longe da maquina, pois uma vez la dentro vai ter que fazer trade-offs e todos os inimigos que entretanto fez vao come-lo vivo… por isso o seu resultado e excelente.

    Gostei do ‘fast food’ da esquerda…por varios motivos diferentes…mas no fundo acho que ponho em nivel ‘big brother’…sim uns bons furos abaixo de fast food. E isso e mau para o pais porque ha tanta audiencia de ‘big brother’ como votos no be… pior so mesmo na grecia…mas pelo menos esses livraram-se soberanamente dos credores….ou nao!

    Teria gostado mais destas presidenciais antes das legislativas…a estrondosa catastrofe da maria de belem era um excelente modo de explicar ‘ora bem portugal: o ps e…bem e isto’.

    Fico contente pelo Marcelo… nao direi pelos Portugueses pois acho Marcelo demasiado consciente para correr com o ocupande indesejado do governo, nesta fase. A ansia internacional em encontrar toda e qualquer desculpa para nos apertar mais com ratings e juros, torna tudo muito volatil….claro que a ansia de poder de costa o faz ignorar tudo isso e fazer as maiores jogadas…mas Marcelo e de outra nata…e por isso, ate que o estrago de costa iguale o estrago dos credores e especuladores, deixara o circo continuar.

    Tambem nao tenho a mesma leitura negra quanto aos nao votantes (negra sim, mas com a falta que qualidade politica que o pais vive ha decadas…o desinteresse e abandono do voto sao um reflexo da podridao e nao a podridao em si…e depois da golpada de costa entao o voto legitimo fica totalmente em questao).
    Nao voto…. nao voto da mesma forma que nao entendo como um emigrante vota. Uma vez que nao contribuio para a economia do pais, nao devo ter opiniao na escolha de quem o vai arruinar a seguir….acho uma daquelas coisas tipo ir ao stand escolher um bmw e depois mandar a factura para o vizinho o pagar. Mas quando contribuia tambem ja nao votava.
    Votei tres vezes… sempre num partido compativel com os meus ideais, mas apenas quando reconheci qualidade politica suficiente para justificar voto…e sempre para tirar socialistas do governo. Nas restantes vezes votei em branco…. depois ao ver o voto em branco ignorado deixei de votar.
    Hoje assisto ao arruinar de um pais, mas de outro lado. Estou confortavelmente longe para nao votar…mas desconfortavelmente perto para sofrer com isso…custa-me ver a minha familia e amigos nesta ancora europeia segura por uma corrente potrefacta.

  2. A questão da abstenção é complexa, e a verdade é que ela não altera absolutamente nada, no entanto retira legitimidade. No fundo Marcelo foi eleito por 25% dos eleitores. Existem portanto ¾ de pessoas que não o elegeram. No entanto não é possível apurar o que 50% das pessoas escolhem. Ir lá nem que seja descarregar o voto é sempre melhor do que não ir. Para além do mais a abstenção degrada a democracia, no sentido de haver uma fatia importante das pessoas que acabam por não ter escolha. A democracia só existe quando existe cidadania e participação. E a democracia existe para todos e deve ser exercida por todos, por quem contribui e por quem não contribui (apesar de todos independentemente contribuirmos), por quem vive aqui ou lá fora, porque o país também tem obrigações para com os seus cidadãos que vivem lá fora. Essa participação não deve terminar quando escolhemos emigrar. A participação cívica está também ligada à cultura que nos liga e nos coloca com interesses comuns. E é sobre a decisão desses interesses comuns que devemos participar.

    • Mais ou menos… quando o voto branco, em vez de representar cadeiras da assembleia vazias, passa a ser ‘amarfanhado’ e junto com nulos e abstidos…o processo democratico deixa de existir. Digamos que nao e diferente de agarrar nos votos do pcp e deita-los para o lixo durante a contagem… so porque convem aos restantes.
      Outra forma de ver as coisas passa pela legitimidade de coligacoes golpistas… afinal quem o povo elegeu nao esta no governo…onde anda a democracia ai? Perdeu-se num buraco da constituicao.

      Tambem podemos argumentar no afinal o que e democracia…com, por exemplo, o tema da co-adopcao de casais homosexuais. Passa no patlamento, depois volta a votos para nao passar… quando no fundo se trata da tal obrigacao donestado para com os seus cidadaos…se sao reconhecidos como casais fiscalmente, estao tambem no direito de exigir igualdade em tudo o resto.

      Vamos.. os conceitos sao fixes e tal, mas na practica o cidadao e apenas chulado pelo estado e como bom chulo que e, quando a prostituta reclama, leva chapadas de mao fechada.
      Nao ha nada no estado portugues que me apoie ou que eu necessite. A minha exclusao parte precisamente da taxacao nao representada…a mesma que ha 200 e tal anos serviu para tornar os estados unidos independentes de Inglaterra…acrescida da detorpacao do processo democratico.
      Por distorcida face ao conceito de democracia e governo que seja a minha posicao, ela e, provada e comprovadamente real…infelizmente, acrescento.

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