Pesca à Francesa

Ao contrário do que é popular, não só reconheço a necessidade, como apoio a capacidade submarina da nossa Marinha. Bem sei que o processo de aquisição da quinta esquadrilha não deixou saudade a ninguém, sendo fácil lançar torpedos sobre o tema, mas julgo que a separação entre o processo de compra e a necessidade que lhe está na origem é no mínimo salutar. Sei que é fácil aderir ao facilitismo e validar ideias absurdas como “não precisamos de submarinos para nada”, mas basta observar a extensão do nosso território Atlântico para compreender quão desprovida de sentido é a contundente e popular afirmação. Um nítido problema de avaliação. O Mar como desígnio da Nação, nunca será uma realidade enquanto não for um desígnio individual de cada um de nós. Nunca seremos todos marinheiros, mas não é essa a questão. Enquanto individualmente não valorizarmos o desígnio Atlântico como um propósito que nos une, a superficialidade e ligeireza de conclusões prevalecerá.

A nossa história fornece bons exemplos de dicotomia entre o que é popular e aquilo que realmente é importante, como foi o caso do popular D. João I, o aclamado Mestre de Avis, e do seu antecessor, D. Fernando. O primeiro é celebrado como aquele que promoveu a expansão marítima, o segundo rotulado como irresponsável e aventureiro que não deixou descendente nem obra louvável. Contudo, foi D. Fernando que promoveu a construção naval e criou o primeiro arsenal português. Tal como hoje, recorreu então à tecnologia alemã, tendo para tal atraído até nós mestres fundidores germânicos, saber com o qual se passou a fundir as peças de artilharia entre nós, ao invés de as importar. Sem os meios e infra-estruturas lançadas por D. Fernando, a dinastia de Avis não teria passado de Ceuta, onde de resto esteve fechada durante 40 anos…

E os submarinos? Pois bem, devíamos ter mais, mas tal como fez D. Fernando, não deveríamos importar, mas sim fabricar. Absurdo? Será? Pois é precisamente aquilo que fazem os Sul Coreanos, compraram não o produto acabado, mas sim o direito de o construir. Tratar as armas como automóveis que primeiro são importados e depois fazem a manutenção na marca, pode ser a medida do possível no contexto e circunstância em que nos encontramos, mas a soberania exige mais. Por fim, mas não por último, queria abordar o factor mais importante e decisivo da capacidade submarina nacional, o humano. O saber acumulado pelas muitas guarnições que operam as 5 esquadrilhas que envergaram o nosso jaque, é um valor sem preço. A qualidade destes marinheiros especiais, os submarinistas, é até hoje ignorada ou desvalorizada pela população. Poucos de nós partilham o entusiasmo e orgulho pela prestação da actual Classe Tridente, e sobre a classe que a precedeu, apenas alguns de nós se lembra do feito do N.R.P. Barracuda (S164), quando em 1983 conseguiu posicionar-se sob o porta-aviões norte-americano USS Dwight D. Eisenhower (CVN69), iludindo toda a cobertura de superfície e área que escoltava este imponente navio, o que lhe permitiu assumir uma posição de ataque simulado com torpedos, sem nunca ser detectado, prestação surpreendente e a todos os níveis meritória, sobretudo porque a quarta esquadrilha à qual pertencia o Barracuda, de fabrico francês e designada por Classe Albacora, era já à época obsoleta por comparação aos meios que nesse exercício defrontou. Inquestionável prova do valor dos nossos submarinistas.

Ciente de tudo isto, talvez por sensacionalismo, mas sobretudo porque já chega de “falar” a sério, relato-vos o mais recente episódio protagonizado pelos nossos amigos franceses. Depois do ataque ao joelho do melhor do mundo, após a despeitosa decoração da torre Eiffel em dia de celebração lusitana, tentaram esta semana levar o nosso submarino N.R.P. Tridente (S160) até à lota de Saint-Brieuc. O ataque perpetrado pelo ligeiro e ágil navio de pesca, o arrastão Daytona (SB.912361), ficará para a história como a “pesca à francesa”, manobra cujo resultado, tal como todas as desconsiderações anteriores, foi um estrondoso fracasso, sem danos a registar, nem materiais, nem humanos. Mais uma vez ganhámos por empate.

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About Gonçalo Moura da Silva

... um homem ao Leme. "A minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas, timbales e tambores. Só me conheço como sinfonia. "

Posted on Julho 14, 2016, in Ideias para o País, Mentalidade Tuga. Bookmark the permalink. 1 Comentário.

  1. Rui Moura da Silva

    Muito bom!

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