Acefalia do “Já”

Os mercados não são sensatos. Ou são? Sê-lo-ão os investidores? E o comum dos mortais, o consumidor e contribuinte? Naturalmente todas as respostas são negativas. Digo naturalmente porque não ser sensato é uma característica do ser humano, cuja origem é biológica. Estranho? Nem por isso. Quando a hipótese não é imediata, reflectimos. Se existir um horizonte temporal instantâneo, reagimos. Chamo a isto a Acefalia do “Já”. Manifesta-se em todos aspectos do quotidiano, sendo particularmente nefasto quando o objecto de decisão é o dinheiro: Perante a hipótese da oferta de cinquenta euros já, ou cem euros daqui a uma semana, a esmagadora maioria opta pelos cinquenta já. No entanto, entre cinquenta euros daqui a uma semana, ou cem daqui a um mês, todos optamos por esperar pelo maior ganho. Qual o motivo para esta diferença de comportamento?

Tudo tem origem no nosso código genético. Toda a célula viva tem como missão primordial a manutenção dos parâmetros necessários à existência da própria vida. Tal explica a razão pela qual os seres unicelulares “sabem” quais as acções que devem desenvolver para se manterem vivos, mesmo sem consciência ou cérebro, aparentam raciocinar, o que obviamente não fazem. Reagem. Como tal, o meio é igualmente decisivo. Ironicamente, designamos a nossa envolvente por Pressão Social.

Dotado de consciência, o ser humano é curiosamente mais reactivo que reflectivo. Tendemos a criticar, rejeitar ou condenar tudo o que é simplesmente diferente ou estranho, sem que no fundo tenhamos sobre tal reflectido. O comportamento das crianças à mesa é disto bom exemplo: “não quero, não gosto”; “mas nunca provaste; “pois não, mas não gosto”…

A verdade é que como adultos não somos muito diferentes. Reagimos mais do que agimos com base em reflexão. Daí a publicidade. Ajuda-nos a reagir, a minimizar o raciocínio. Confesso que sou apreciador de toda a publicidade a detergentes, champôs ou pastas de dentes. Na verdade gosto de não ter que reflectir sobre eles. Prefiro reagir. Por esta preguiça, estou disposto a pagar um pouco mais do que o mínimo possível, ou até mesmo comprar um produto inferior ao mesmo preço. São opções. De importância vital para uns, profundamente indiferente para outros, em comum apenas o “Já”.

Somos maus a decidir a curtíssimo prazo. Seremos bons a decidir a médio ou longo prazo. Infelizmente, também não. À acefalia do “já” acresce outra característica humana, a incapacidade de prever o que nos fará felizes. Resolvemos comprando tudo o que nos proporcione conforto e bem-estar. Consumir tornou-se de facto um vicio, que sabemos nefasto, mas reincidimos por falta de melhor solução. Não identificamos as causas do vazio, limitamo-nos a enche-lo. Somos igualmente maus a descrever o que nos fez felizes no passado.

Na conjectura actual, aberta a caça às culpas e culpados, julgo imprescindível o raciocínio em detrimento da reacção. Acredito que não será preciso ir muito longe para encontrar o maior dos culpados: Todos e cada um de nós. Vamos contudo ser sugestionados, qual publicidade a detergente da louça, a condenar o regime democrático. Na verdade assistimos já hoje à capitulação de líderes eleitos democraticamente. Aceitamos, sem raciocinar, que tal é a melhor opção. Porquê? Porque negamos qualquer culpa no que se passa, porque negligenciamos a acefalia do “já” e porque continuamos a ignorar que o conforto proporcionado pelos bens de consumo, não nos trará verdadeira felicidade.

O problema não está no regime democrático, mas sim nas pessoas. Acredito que cada um de nós, uma vez ciente destes factos, fará melhor que reagir. Terá menos preguiça em raciocinar, e finalmente envolver-se na construção de uma sociedade com valores centrados no ser e não no ter, ou seja, uma sociedade menos fútil, materialista e egocêntrica do que a actual.

About Gonçalo Moura da Silva

... um homem ao Leme. "A minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas, timbales e tambores. Só me conheço como sinfonia. "

Posted on Novembro 18, 2011, in Ideias para o País and tagged , . Bookmark the permalink. 1 Comentário.

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